O livro do Dr. Lee Spetner é a nova sensação do criacionismo depois de todo o rol de pseudociência aqui citado.
A argumentação de Lee Spetner não foge ao que Dembski coloca em sua teoria da conservação da informação, embora Spetner o classifique como um “espantalho”.
Aqui, por meio de tradução de comentários acerca das hipóteses de Spetner, tentarei resumidamente abordar os principais pontos de sua teoria e as falhas que esta apresenta, uma vez que o tema é um tanto complexo. Dessa forma, haverá pontos da discussão em que não irei me deter.
Desse modo, para maior detalhamento sobre o tema, recomenda-se a leitura das seguintes fontes, as quais são os originais deste trabalho:
A review of Lee Spetner's "NOT BY CHANCE!"
Dr. Spetner derives non-random evolution from the Talmud
Spetner and Biological Information
Correspondence with Critic Lee Spetner
The Evolution of Improved Fitnes By Random Mutation Plus Selection
Classical Information Theory (Shannon)
Algorithmic Information Theory (Chaitin, Solomonoff & Kolmogorov)
Information Theory and Creationism Werner Gitt
Information Theory and Creationism William Dembski
Improbable Probabilities
Introdução:
Lee Spetner é um biofísico e teórico da informação escritor do livro “Not by Chance!”, cujo intuito é abalar a teoria neodarwinista da evolução, sustentando uma infeliz e mal articulada versão de criacionismo a partir de argumentos oriundos da teoria da informação.
Infelizmente, ao invés de limitar o seu discurso com argumentos científicos o livro de Spetner contém passagens que introduzir a questão da compatibilidade estranhas à ciência com dogmas religiosos.
Spetner introduz a questão acima mencionada no início de seu livro. No Prefácio (página ix) Spetner escreve: "... eu conheci a teoria da evolução de uma forma séria, e eu achei difícil acreditar. O confronto não só com os meus pontos de vista religiosos, mas também com a minha intuição sobre como as informações em organismos vivos poderiam ter desenvolvido."
Esta é uma admissão de condenação para um cientista. A fim de se estudar o desenvolvimento das informações em organismos vivos, a base opiniões deve partir apenas de fatos apurados por meio de um procedimento de verificação e reprodutível, sendo que a exploração deve verificar-se imparcial.
Visões religiosas (crenças) são direitos de todo cientista, mas este tipo de convicção há que ser mantido afastado de sua pesquisa científica a fim de não influenciar na verdade dos fatos.
Quanto à intuição (em alternativa, muitas vezes referido como o senso comum), esta tem o seu lugar legítimo na investigação. Porém, o problema é que muitas vezes leva pessoas diferentes em diferentes direções, e, muitas vezes, não leva a nada.
Na verdade, a teoria Spetner em si é a de evolução. Ao contrário do que alguns leitores podem concluir a partir do título e subtítulo, argumentação apresentada não é contra a teoria da evolução por si só. Na verdade, o autor apenas argumenta contra alguns aspectos da teoria neo-darwinista da evolução, ou seja, contra a idéia de que a evolução necessariamente inclui variações aleatórias, sugerindo o que ele denomina de Hipótese não Aleatória da Evolução (HNAE).
Em seu livro, Spetner afirma que mutações randômicas não podem produzir o tipo de mudança biológica informacional segundo requer a teoria neodarwinista da evolução, a qual, segundo estudiosos da área ocorre por saltos.
De acordo com Spetner, nenhuma das mutações observadas em modelos experimentais da evolução, na verdade, adicionam informação. Assim, ele conclui que não importa quantas mutações ocorram, elas não podem explicar o aumento da informação nos genomas, conforme “postulado” (sic) pela teoria da evolução.
A noção de informação de Spetner, em biologia, é formulada a partir do que pensam muitos grupos que negam a teoria da evolução, mas há críticas a respeito de seu trabalho, embora não haja ainda uma análise completa de seus argumentos.
Apesar de seus argumentos, quanto à aplicação de suas medições a situações do mundo real serem superficialmente plausíveis, um olhar mais atento, partindo da bioquímica, demonstram falhas significativas.
As medições de Spetner dependem de um mecanismo de união que não ocorre na natureza, assim como requer que substâncias se unam a enzimas, totalmente ou de nenhuma forma, considerando que substratos reais não agem dessa forma.
Spetner também é inconsistente ao aplicar suas medições. Como exemplo, no caso do Xylitol ele não as aplica e, no caso da streptomycina, ele as muda, uma vez que, a que as medições que ele desenvolveu levariam ao aumento de informação.
Alem disso, o modelo de evolução direta de Spetner é baseado em um mal entendimento do que seja mutação aleatória.
Spetner sequer menciona em seu livro a clássica teoria da informação de Shannon e Weaver, sendo que muitos autores aplicam a teoria da Informação de Shannon à biologia. Segundo estudiosos da evolução, esta, sob certas circunstâncias, aumenta a informação, de acordo com o senso de Shannon.
Entretanto, Spetner alega que mutações randômicas não podem aumentar a informação. Para tal, Spetner se vale de duas métricas separadamente:
Uma se denomina medida de expectativa, por meio da qual uma construção de diferentes fileiras tem informação que a de fileiras idênticas. Isso deixou surpresos aqueles familiarizados com a teoria da informação padrão de Shannon e Weaver e aqueles familiarizados com a Informação algorítmica. Porém, este argumento é válido sob determinadas circunstâncias.
Spetner também se vale de uma medida de informação de endereçamento, porém o modelo de bits telegráficos de transmissão não se aplica à replicação de DNA. A forma com que Spetner expõe esse pensamento consiste em que a informação é diretamente conexa com o tamanho da fileira.
Agora passemos às discussões das propostas de Spetner...
A união de substratos enzimáticos e a particularização de Spetner:
O mecanismo de reação de enzimas funciona como aquele de uma chave-fechadura, sendo o substrato a chave e a enzima a fechadura, sendo que ambos os mecanismos são desajeitados, pois há chaves que abrem várias fechaduras, assim como há enzimas e substratos flexíveis.
Spetner alega que o mecanismo das enzimas é análogo aquele de endereçamento e que enzimas de muitos substratos têm menos informação que enzimas de um substrato. Também, Spetner generaliza este argumento, aplicando-o a diversos sistemas com mecanismo de ligação. Será usado o termo ligante para abarcar qualquer coisa que se ligue a um local específico do aceptor, incluindo os substratos.
Note ainda que existe uma sutil mudança no argumento. Pode-se ver facilmente que o endereço para "666, Richmond Road, Cannon Hill, Brisbane" tem mais informações para especificar que "Brisbane".
Todavia a afirmação de que as enzimas têm mais informação, porque elas se ligam apenas um substrato é semelhante à afirmação de que "666, Richmond Road, Cannon Hill, Brisbane" tem mais informação do que"Brisbane" porque menos cartas são entregues lá do que em "Brisbane".
De qualquer modo, esta é uma afirmação um tanto diferente, de que a informação do objeto físico em um endereço tem as informações necessárias para especificar aquele determinado endereço. Isso parece intuitivamente óbvio.
Na verdade, tal pensamento é incorreto. A biologia não funciona desta forma. Não apenas o número de ligações é importante, mas também propriedades físicas o são.
Por exemplo, tomemos a enzima betalactamase que quebra as cefalosporinas de antibióticos. Uma variante mutante pode colapsar maior número de cefalosporinas (onde a molécula tornou-se mais robusta), enquanto que a enzima normal não pode fazê-lo.
A variante mutante não tem menos pontos de ligação que a enzima normal, mas tem uma articulação mais flexível para que o grupo catalisador pode alcançar o anel lactâmico mais fácil.
Pior ainda, pode haver substratos que se ligam com exatamente o mesmo número de pontos, mas que se ligam mais firmemente, porque um átomo de cloro foi substituído por um átomo de oxigênio, o que mudou a distribuição dos elétrons na molécula da droga.
Especificidade de ligação não é simplesmente algo análogo a "endereçar". Ela envolve forma física (responsável pelo endereçamento), propriedades físico-químicas (não simplesmente passíveis de uma análise de endereçamento, mas se referem às propriedades do substrato) e propriedades estruturais da enzima, como uma dobradiça flexível ou a distorção da uma hélice que também não são passíveis de uma análise de endereçamento. Teria uma hélice que flexiona para a direita mais informação do que uma hélice que flexiona para a esquerda?
Especificidade de ligação não é simplesmente algo análogo a "endereçar". Ela envolve forma física (responsável pelo endereçamento), propriedades físico-químicas (não simplesmente passíveis de uma análise de endereçamento, mas se referem às propriedades do substrato) e propriedades estruturais da enzima, como uma dobradiça flexível ou a distorção da uma hélice que também não são passíveis de uma análise de endereçamento. Teria uma hélice que flexiona para a direita mais informação do que uma hélice que flexiona para a esquerda?
Simplificando, uma análise da "informação" de uma proteína que aborda a especificidade substrato de ligação, embora superficialmente plausível, é ingênua ao extremo, pois a especificidade do substrato não é propícia para a análise proposta (especialmente quando algumas das informações que está no substrato).
Além disso, a análise de Spetner aborda exclusivamente a análise com enzimas substrato único, como ele lida com bi-bi-random enzimas de dois substratos ou com duas enzimas não se sabe. Ele parece pensar que todas as enzimas como deve ser (alguns) como as enzimas do ciclo de Krebs do ácido cítrico.
Embora Spetner tenha alegado que mutações aleatórias não podem produzir aumentos na informação, em seu exemplo de mutação aleatória de "palavra enzima", pode ocorrer o aumento de informação. Basta adicionar aleatoriamente uma letra na cadeia o que irá resultar em um número de caracteres que se ligam significativamente a menos "ligantes".
Ele também irá resultar em um número de caracteres que se ligam nenhum ligante, mas é o suficiente para notar que a mutações aleatórias simples irá produzir “enzimas-palavra" de maior "especificidade".
No entanto, quando chegamos a sistemas reais, a relação entre o aumento da cadeia de ligação e a especificidade não se sustenta.
Segundo Spetner, a informação é proporcional ao número de substratos, mas Spetner não define substrato. Porém, isso não é trivial. Como vimos acima a enzima de Spetner' "ou liga um ligante, ou não.
Isto é importante porque o nexo de todo o argumento de Spetner é que o número de substratos reflete o comprimento da cadeia de ligação, e o comprimento da cadeia de ligação, em bits, é a informação da enzima / receptor / proteína.
No entanto, no mundo real, a ligação de um ligante a uma proteína não é um tudo ou nada, substratos apresentam diferentes graus de coesão entre as moléculas, que não é abordado pelas medições de Spetner.
Mesmo uma enzima muito específica pode se vincular um ligante muito bem, em alguns não tão bem, e em um grande número, muito fracamente. Não se pode simplesmente dizer que só ligantes fortemente unidos devem ser considerados, como ligantes mais fracos podem ser de grande importância fisiológica, se estiverem presentes em concentração alta o suficiente.
Há muitos exemplos disso na fisiologia, no exemplo dos receptores da angiotensina II, há um grupo de peptídeos chamado de peptídeos de histidina da tríade, que apesar de ser muito ligantes fracos do receptor de angiotensina II, realmente modular a atividade do receptor em condições fisiológicas como as suas concentrações são tão elevadas no organismo. Isso tem implicações teóricas e práticas.
Teoricamente, isso significa que não há conexão necessária entre o comprimento da corda e o número de ligantes vinculado, pois a coesão entre moléculas depende de fatores moleculares que não se traduzem facilmente em informação. Será que uma fileira contendo o ácido aspártico tem mais ou menos informação do que uma contendo asparagina, quando praticamente a única diferença entre eles é a carga?
A coesão molecular também depende de algumas características moleculares que fazem parte do substrato. Na prática, isso significa que as informações Spetner não podem ser medidas experimentalmente, uma vez que jamais poderíamos realmente saber o número total de substratos, a menos que testássemos todos os substratos potenciais no universo.
Assim, podemos ver que as medições de Spetner são provavelmente incapazes de medir o conteúdo de informação de enzimas / receptores / proteínas de ligação em tudo.
A hipermutação das células linfócitos B:
Spetner concorda que o modelo de sistema de amostragem e seleção de mutações somáticas que ocorre em genes de imunoglobulinas em linfócitos B pode "adicionar informação ao genoma da célula-B.
Spetner aceita a idéia de que a mutação aleatória e a seleção podem levar a um aumento da informação. Tal vai de encontro a noção de Dembski e de outros que acreditam que há barreiras teóricas que impediriam conseguir o que eles chamam de "complexidade especificada da informação" por meio de mutação aleatória e seleção.
No entanto, Spetner declara que o exemplo de células B é um modelo pobre para o que acontece na "evolução" de Darwin, e para tal cita duas razões:
- A taxa de mutação nesse modelo é muito superior ao que é visto em não-genes de imunoglobulinas e de não-células B;
- Estas hipermutações são mediadas por "enzimas especiais."
Em relação ao primeiro ponto, realmente a taxa de mutação dos linfócitos B é maior do que ocorreria na evolução, mas não há razões para este fato enfraquecer a utilidade do exemplo como um modelo para a evolução.
Se mutações adaptativas que aumentam a informação no genoma de uma população de linfócitos B podem ocorrer em pouco mais de uma semana, proporcionando uma alta taxa de mutação, qual o argumento teórico que iria levá-lo a rejeitar a idéia de que as mutações adaptativas aumentam a informação no genoma de uma população de células germinativas ocorreria ao longo de muitos milhões de anos, dada uma taxa de mutação muito mais baixa?
A segunda objeção ao modelo de mutação somática em células B, se trata de que "enzimas especiais" estão envolvidas, é insustentável.
De acordo com a literatura científica, até o momento, o mecanismo de mutação somática em células B não é conhecido. O mecanismo poderia, talvez, envolver "enzimas especiais" que geram mutações, mas uma possibilidade alternativa é que a alta taxa de acúmulo de mutações simplesmente reflete a inibição seletiva da prova normal de mecanismos de leitura.
Mas, não há razões porá afirmar que a fonte das mutações aleatórias deveria influenciar na validade geral da conclusão de que mutações aleatórias e seleção podem aumentar a informação no genoma, ou porque tais mutações não podem servir como modelo para adaptações evolutivas.
De fato, a taxa como mecanismos predominantes para mutação podem ser diferentes em diferentes espécies de organismos, em função da exposição deles a mais ou menos agentes mutagênicos ambientais, além de depender da natureza e da robustez em sua capacidade de erro-correção genômica.
Portanto, ao se aceitar tal argumentação contra a extrapolação de adaptação de células B para a adaptação das espécies, devemos rejeitar a extrapolação de quaisquer informações encontradas ao se estudar um organismo para compreender as adaptações em um segundo organismo, a menos que seja demonstrado que tanto a taxa e o mecanismo de mutação são os mesmos em ambos?
Isto seria como se recusar a usar a constante gravitacional determinada em laboratórios na Terra para analisar a física estelar. Essa relutância em extrapolar certamente impede a utilização de organismos modernos, como base para a compreensão de eventos evolutivos que ocorreram há milhões de anos (que pode ser justamente a intenção de Spetner).
Há muita argumentação de criacionistas que exigem prova "rigorosa" da evolução. Tal postura se trata de uma má compreensão em estabelecer a diferença entre a ciência experimental e a matemática, onde uma prova rigorosa, via encadeamento lógico de axiomas e postulados é esperada, o que se denomina teorema. Todavia na a maioria das ciências experimentais e de observação, o que se procura é a melhor teoria que explique os dados observados.
Obviamente é possível extrapolar-se de modo indevido, mas Spetner não demonstra como a teoria evolutiva faz isso.
Spetner também cita uma série de declarações especulativas na literatura científica, no sentido de que hipermutação da célula somática B envolve um mecanismo especial.
As enzimas envolvidas na mutação somática em células B, até o momento da edição deste texto, permanecem desconhecidas. Assim se Spetner estiver correto que a hipótese de "enzimas especiais" é sustentável, ela só seria correta no sentido de que tal idéia é sustentada apenas por especulações na literatura. Não há qualquer evidência científica que sustente tais afirmações.
Todavia, observou-se que uma enzima conhecida como a ativação induzida deaminase (AID) revelou-se necessária para a ocorrência de mutação somática. Porém, não está claro se esta enzima participa diretamente na introdução de tais mutações.
De fato, desde que ocorra ausência da AID também ocorre o bloqueio da mudança de recombinação de isótipos. Tal fenômeno não é obviamente relacionado à hipermutação, sendo que leva à ampliação de centros germinativos.
É possível que esta enzima seja necessária para um passo na maturação das células B do desenvolvimento que provoca tanto hipermutação como a alternância de recombinação, e que esta enzima não desempenhe qualquer papel diretamente relacionado à mutação de DNA. Mas esta questão ainda não foi resolvida.
De fato, uma variedade de mecanismos de laboratório para a geração de mutações nos genes de anticorpos (mutagênicos químicos, oligonucleotides randomizado, etc) todos levam a uma gama de genes mutantes de anticorpos a partir do qual as proteínas com maior afinidade podem ser obtidas.
Portanto, o princípio de que a mutação aleatória e a seleção podem levar a melhoria da função parece ser independente do mecanismo de geração de mutações.
Não há razões lógicas para que mutação e seleção na adaptação de espécies deveriam ser estritamente dependentes do mecanismo de mutação. Na verdade, uma série de diferentes mecanismos são conhecidos por contribuir em graus diversos, em condições diferentes, incluindo erros de cópia, radiação, mutagênicos químicos, desaminação erros de pareamento, etc.
As probabilidades de Spetner:
Nos capítulos 4 e 6 de seu livro, Spetner dedica muito espaço para a discussão das probabilidades. O capítulo 4 é intitulado “Is the deck stacked?” – As tábuas estão empilhadas?.
Nesse capítulo Spetner discute as probabilidades de mutações aleatórias e de outros eventos que, segundo a abordagem darwinista, foram as etapas de evolução. Spetner repete aqui os mesmos cálculos de probabilidade conhecidos, copiados com ligeiras variações de livro para livro escrito por opositores da teoria da evolução, mas que na verdade são irrelevantes para o problema da origem da vida.
Conforme indicado na postagem acima, do ponto de vista cognitivo, o conceito de probabilidade antes de qualquer coisa, reflete o nível de ignorância sobre uma situação. Se possuir o conhecimento integral da situação, lidaríamos com certezas e não com probabilidades.
Os valores extremamente baixos das probabilidades de diversos eventos, como o surgimento espontâneo da vida e afins, muitas vezes citados pelos opositores da evolução, refletem a escassez de informações sobre os eventos que levariam, por exemplo, a mutações úteis sobreviverem ou ao surgimento da vida. Essa falta de conhecimento nos obriga a assumir um número enorme de possíveis eventos concorrentes, resultando na probabilidade muito baixa citado por Spetner, Aviezer, e outros.
Como é a probabilidade de um evento estimado ser de, digamos, 1 / N onde N é um número muito grande?
Esta estimativa equivale à suposição de que poderia haver N possíveis eventos, dos quais, por exemplo, o surgimento da vida é um só desses eventos. Supondo ainda que todos esses acontecimentos N possíveis são igualmente prováveis, podemos dividir 1 por N e chegar à probabilidade muito reduzida de 1 / N, que acaba por ser, digamos, um em cada 10^-27 (como no exemplo de Spetner). A conclusão obtida pelos anti-evolucionistas é que a probabilidade já é tão pequena que o evento em questão é praticamente impossível.
Esta forma de pensamento, comum a muitas discussões pelos opositores da evolução, é falha, uma vez que ignora o significado da quantidade matemática chamada de probabilidade.
Com efeito, se a probabilidade de um evento (digamos, de uma mutação útil) é calculado como 1 / N, isso significa que assumimos a concorrência de N eventos igualmente prováveis. Um desses eventos igualmente prováveis N deve necessariamente acontecer (mesmo que não sabemos de antemão qual deles).
Se qualquer um desses eventos é visto como impossível, então por isso mesmo cada um deles deve ser visto como impossível, já que todos esses eventos têm exatamente a mesma chance de acontecer ou não acontecer. Esta conclusão, baseada na hipótese de impossibilidade de qualquer um dos eventos N é um absurdo. Daí a premissa estar errada.
Caso um determinado evento, A (por exemplo, uma certa mutação), cuja probabilidade foi calculada como 1 / N não chegou a acontecer, somente significa que algum outro evento B, cuja probabilidade é tão pequena quanto, aconteceu em seu lugar. Por que poderia o evento B acontecer, mas o evento A, igualmente provável, não poderia? Do ponto de vista da probabilidade, não há diferença entre todos os N eventos, mesmo que um deles seja muito especial a partir de alguns pontos de vista não matemáticos (por exemplo, sendo o surgimento espontâneo da vida).
Além disso, o neo-darwinismo não é baseado na premissa de um processo puramente aleatório. A combinação de mutações aleatórias com leis adequadas (por exemplo, a seleção natural não-aleatória) pode acelerar a evolução de muitas ordens de magnitude (como, por exemplo, tem sido demonstrado por Dawkins em o Relojoeiro Cego), o que torna irrelevante do exercício probabilístico de Spetner.
A discussão de tal analogia como uma loteria é considerada por Spetner como sendo um exemplo favorito dos opositores da evolução. A probabilidade de tapeação é muito maior que a de haver múltiplas vitórias.
Do mesmo modo, ele afirma que em um jogo de pôquer a ocorrência simultânea de duas ondas de direita indica fraude, com uma probabilidade muito maior do que a sua acontecendo por acaso. Ele escreve (página 94): "Como vimos na história do poker-vaqueiro, muita sorte pode não ser bom para você." (Na história em questão, o cowboy que tinha o straight flush foi morto a tiros por alegada fraude).
Então Spetner continua: "Assim também na natureza, se vemos a ocorrência do evento com probabilidade extremamente baixa, devemos suspeitar que o evento não foi aleatório ..." Essa afirmação é infundada.
De fato, a fraude pode ser mais provável do que duas ondas simultâneas em linha reta em um jogo de pôquer, ou uma dupla vitória em uma loteria. No entanto, este exemplo é irrelevante no que diz respeito à natureza, onde não há nenhuma analogia de fraude. Na natureza, um evento é perfeitamente possível, apesar da sua probabilidade calculada ser extremamente pequena.
Em primeiro lugar, valores demasiado pequenos, para a probabilidade calculada, são principalmente devidos à extrema escassez de informações sobre a situação ora questionada e, segundo, porque o evento cuja probabilidade foi calculada como muito pequeno é realmente tão provável quanto qualquer outro de N eventos presumidos possíveis.
Ou seja, devido à escassez de informações sobre o evento, não sabemos quantas vias poderiam levar a ele ou a algo diferente dele, mas igualmente funcional.
Por exemplo, a origem da vida:
Será que apenas uma via poderia levar à origem da vida tanto como a conhecemos, quanto a uma forma totalmente diferente ou semelhante a que conhecemos? Isso é impossível de responder.
Outro exemplo, o caso de mutações: Também, será que há apenas um caminho para que ocorram mutações que tragam vantagens à espécie?
A visão criacionista é a de que somente pode haver uma via com um determinado objetivo, mas isso é falso. A seleção natural assim como qualquer processo natural não possui objetivos. Ela simplesmente é.
Dessa forma, o capítulo em questão contém muitos cálculos de probabilidades, mas todos estão repletos de falácias, já discutidas e rejeitadas antes mesmo dele escrever seu livro. Portanto, a argumentação proposta por Spetner contra a teoria da evolução aleatória, com base em seus cálculos de probabilidades, não é convincente. Nada mais é que um engodo matemático a fim de confundir leigos na disciplina.
No capítulo 6, intitulado The Watchmaker's Blindness – A Cegueira do Relojoeiro, Spetner retorna novamente à estimativa por probabilidades, desta vez se vale delas para refutar as idéias sugeridas por Richard Dawkins referentes à NDT em O Relojoeiro Cego.
Aqui, novamente, Spetner oferece cálculos de probabilidades extremamente pequenos no que se refere a eventos, tais como encontrar uma "perfect bridge hand". Segundo esse cálculo, a probabilidade de obter uma mão perfeita em um negócio é de 10^- 28. Este número, embora correto do ponto de vista formal, é irrelevante. Spetner acusa Dawkins de não entender o significado de probabilidade.
Na verdade tal acusação pode ser dirigida para Spetner próprio, que obviamente sabe como calcular probabilidades, todavia lhes atribui propriedades quantitativas que estas não possuem.
O valor da probabilidade de não prevê o resultado de qualquer evento específico. Apesar da baixíssima probabilidade calculada de qualquer evento, ele pode muito bem acontecer no primeiro julgamento, ao passo que um evento cuja probabilidade calculada é muito maior não pode acontecer mesmo em centenas de milhares de testes.
Quando os problemas tais como a possibilidade do surgimento espontâneo da vida, são discutidos, a sua probabilidade calculada é irrelevante e não pode ser usada como uma prova de qualquer opinião sobre esse assunto, pois sequer conhecemos as etapas para que tal fenômeno ocorra; dirá as probabilidades de tais etapas ocorrerem.
A origem da vida é um estudo que depende muito da química e como sabemos, em química o que determina como os elementos e as substâncias reagem entre si são as propriedades periódicas, propriedades aperiódicas, estereoquímica, isomeria, efeitos coligativos, condições termodinâmicas de espontaneidade das reações (entropia, energia livre de Gibbs, energia livre de Helmholz), quantidade de reagentes, agentes físicos, presença de catalisadores, dentre outras particularidades físico-químicas.
Dessa forma, a probabilidade de determinadas reações ocorrerem pode ser bem maior que a de outras, o que faria a possibilidade de determinados eventos ocorrerem mais que outros.
Assim, a igualdade de probabilidades para todos os eventos, conforme proposta por Spetner, é falsa, seja no que se refere à origem da vida, como no caso de mutações em organismos.
Logo, a argumentação proposta por Spetner é falaciosa, bem como errônea. É o típico caso de um religioso tentando adaptar o conhecimento à sua crença (Eis a nossa crença... que fatos se adaptam a ela?).
Spetner e a aleatoriedade:
A hipótese que Spetner sugere que em vez do NDT é, como já mencionado, o que ele chama NREH, que representa a Hipotese Evolucionária não Aleatória. Enquanto NDT é baseada no pressuposto de que mudanças evolutivas ocorreram através de mutações aleatórias, seguida por seleção natural não aleatória. A idéia de Spetner é de mutações não aleatórias provocadas pelas demandas que o ambiente impõe à espécie.
Obviamente, uma vez que a diferença entre NDT e NREH essencial resume-se que entre aleatória e não aleatória de cadeias de eventos, o conceito de aleatoriedade torna-se pertinente para a discussão destas duas hipóteses.
Conseqüentemente, pode-se esperar que Spetner daria alguma definição de aleatoriedade, sendo que esta é o conceito fundamental da sua hipótese. Estranhamente, Spetner não parece estar preocupado com o significado preciso de um termo que ele usa com tanta freqüência em seu discurso. Como resultado, em contextos diferentes, ele usa os termos aleatórios e aleatoriedade de maneiras diferentes, aparentemente sem perceber a imprecisão que este desleixo de uso confere ao seu discurso.
Eis alguns exemplos.
Na página 44 Spetner escreve: “O movimento desses elementos genéticos sobre a produção das mutações acima foi encontrado para ser um processo complexo e que provavelmente ainda não descobriu toda a complexidade. Mas uma vez que ninguém sabe por que eles ocorrem, muitos geneticistas assumiram sua ocorrência apenas por acaso. É difícil acreditar processos precisos e, tão bem controlados, como a transposição de elementos genéticos, só aconteçam por acaso. Alguns cientistas tendem a invocar um mecanismo aleatório antes de aprender o que realmente acontece. Se a fonte de variação para a evolução fosse mutações de ponto, poderíamos dizer que a variação é aleatória. Entretanto, se a fonte de variação é o complexo processo de transposição, então não há nenhuma justificação para dizer que a evolução é baseada em eventos aleatórios.”
Pode-se perceber que Spetner, no segmento, citou o termo aleatório duas vezes; uma em relação a um "mecanismo", e outra para "eventos". Ele, aparentemente, supõe que o termo em questão é universalmente compreensível sem uma explicação, para ambos os contextos usados. Vamos tentar adivinhar o que Spetner quer dizer quando ele usa a palavra "aleatório":
A partir do texto citado parece resultar que, segundo Spetner, evento aleatório é tal que, primeiro, ocorre por acaso, e, segundo, é simples, compreendendo apenas um passo. Quanto ao mecanismo de "aleatório", este termo parece significar uma combinação de eventos aleatórios consecutivos.
Se a minha interpretação do significado que Spetner quer dizer Spetner ao mencionar "aleatório" distingue-se daquela de Spetner; isto significa apenas que ele definiu o uso deste termo, de forma ambígua.
Na página 46, Spetner escreve: "Mas a teoria darwiniana pede que as mutações sejam espontâneas e aleatórias". Não está claro o que Spetner pretende com a frase citada como uma quase-citação direta a partir de alguns escritos por adeptos de NDT, ou isto é colocado como sua própria fórmula.
Mas em qualquer caso, ele usa a expressão "espontâneo e aleatório" sem qualquer indicação de que isso poderia ser entendido como impreciso ou enganoso. Será que essa expressão significa que os eventos de mecanismos podem ser aleatórios, mas não espontâneos, ou espontâneos, mas não aleatórios, ou ambos espontânea e aleatória? O que se entende exatamente por estes termos?
A necessidade de uma definição consistente e rigorosa dos termos acima e seguintes é fundamental, pois o conceito de aleatoriedade e com ele relacionados os conceitos de complexidade e espontaneidade, são fundamentais para sua hipótese.
Spetner não dá nenhuma indicação familiarizada com as definições matemáticas de aleatoriedade e complexidade.
No núcleo da hipótese de Spetner a sugestão é a de que as variações principais para a evolução são desencadeadas por forças do meio ambiente e são direcionais e não aleatórias.
Para fundamentar esta sugestão, de início, há que se compreender claramente de que maneira as variações em questão não são aleatórias. Para este fim, há que se definir claramente o que é aleatório e que distingue não aleatório de forma aleatória. Sem este ponto, os termos “aleatório/não aleatório”, conforme expõe Spetner, permanecem muito vagos para uma hipótese científica.
Spetner pode acreditar que as variações que ele admite serem as etapas na evolução não são aleatórias, mas na verdade ele não tem conhecimento que lhe permita estabelecer claramente se as variações em questão são, ou não-aleatórias. Até então, a sua classificação como eventos aleatórios ou não aleatórios, continua sendo uma questão de sua preferência pessoal, e não um fato claramente estabelecido.
Os conceitos de aleatoriedade e o ela, intimamente conectado, de complexidade estão estritamente definidos na teoria algorítmica de probabilidade (ATP).
Recordemos essas definições. A "complexidade" de um sistema (ou de um processo), que é muitas vezes referida como a complexidade de Kolmogorov, é definida na ATP como o tamanho mínimo de um algoritmo (ou de um programa) que pode codificar o sistema (ou processo) em questão. A partir desta definição, segue a definição de aleatoriedade do seguinte modo: um sistema (ou processo) é aleatório se a sua complexidade é aproximadamente igual ao tamanho do sistema (ou processo) próprio (em bits).
O termo "aproximadamente" aparece na definição acima, pois, como mostra a ATP, a aleatoriedade é uma questão de grau.
Quanto mais próximo o valor da complexidade de um sistema (ou de um processo) do próprio tamanho do sistema/processo, mais perto estará o sistema (processo) da perfeita aleatoriedade.
Isso mostra que o conceito de aleatoriedade é mais complexo do que pode parecer à primeira vista. A demarcação entre eventos aleatórios e não aleatórios ou mecanismos é difusa. Eventos ou mecanismos podem ser mais ou menos aleatórios. Esta característica dos eventos está ausente na discussão de Spetner.
Para basear qualquer hipótese sobre o conceito de aleatório/não aleatório requer-se uma abordagem quantitativa. Não há sinais de tal abordagem no livro de Spetner. Portanto, quando ele nos diz que certos eventos são aleatórios, enquanto alguns outros são não aleatórios, realmente não é possível verificar as suas declarações e, com elas julgar sua linha de pensamento racional.
As definições matemáticas acima são universais e aplicáveis a todos os sistemas e processos. Uma vez que o tratado por Spetner carece de referência para a definição estrita de aleatoriedade, todo o seu discurso em relação aos s eventos aleatórios/não aleatórios e mecanismos carecem de significado.
De acordo com seus dados biográficos, Spetner tem vasta experiência em extensa pesquisa relacionada a sistemas de comunicação e, também, de acordo com seu livro, deve estar bem familiarizado com a teoria da informação.
Portanto, ele deve também estar familiarizado com o conceito matemático de aleatoriedade, ainda mais porque ele baseou nesta idéia toda sua teoria da evolução referente à distinção entre eventos aleatórios e eventos não aleatórios.
Estranhamente, não há uma única frase no livro Spetner, que revele o seu conhecimento dos conceitos matemáticos pertinentes à área em que desenvolveu sua linha de pensamento.
Tal fato confere a sua sugestão de serem as fontes da evolução supostamente não aleatórias um sabor de “especulações de um amador”.
Spetner discute a informação:
Capítulo 5 do livro Spetner é intitulado "Pode a variação aleatória construir informação?"
Um dos principais argumentos Spetner é que as variações aleatórias, nunca ou quase nunca levam ao acúmulo de informações. Uma vez que este conceito é um dos fundamentos da sua NREH, seria de se esperar que o conceito fundamental de que a hipótese de informação fosse apresentado de forma inequívoca e rigorosa.
A teoria da informação é a base científica da tecnologia da comunicação moderna. Spetner foi apresentado aos leitores como um especialista em processamento de sinal, campo no qual grande parte assenta-se na teoria da informação.
Assim, parecia que Spetner proporcionaria aos leitores uma boa discussão profissional de assuntos relacionados à informação e sua aplicação ao NREH. Infelizmente, este não foi o caso.
Como com probabilidades e aleatoriedade, Spetner usa o termo "informação", vagamente, como se este conceito não tivesse nenhuma medida quantitativa. Portanto, quando ele afirma que certas variações adicionam ou não informações a um sistema, essas declarações permanecem sem fundamento.
Spetner acusa outros autores (por exemplo, Dawkins) pela ausência de cálculos os quais apoiariam suas teorias ou hipóteses. Todavia, ele não oferece uma única estimativa da mudança na quantidade de informações causada pelas variações que discutiu.
Sem tais cálculos suas afirmações de que esta ou aquela variação adicionam ou não informações a um sistema, permanecem ambíguas e não verificáveis. Suas declarações, no que se refere a variações particulares, no que concerne a não acrescentar qualquer informação, não são baseadas em provas factuais, mas apenas na sua intuição, que poderia ou não levar à conclusão de direito.
Um exemplo de tal situação ambígua é dado por Spetner por meio de um encaixe da molécula de estreptomicina em local específico em um ribossomo (figs. 5,3 e 5,4 no livro de Spetner).
Há uma combinação estérica entre a molécula de estreptomicina e do ribossomo da bactéria. A molécula de estreptomicina encaixa em um local específico no ribossomo como uma chave se encaixa na fechadura adequada.
Isso inibe o funcionamento normal da bactéria, eliminando assim o seu efeito negativo sobre o corpo humano. Uma mutação aleatória pode causar uma mudança na forma do local pertinente no ribossomo tornando-o inadequado para a fixação de uma molécula de estreptomicina.
Essa bactéria mutante adquire imunidade contra a estreptomicina, melhorando assim a sua chance de sobrevivência. Spetner sustenta que a mutação descrita conduz a uma perda em vez de aumentar de informação. Mas esta afirmação não possui fundamento.
A alteração descrita na forma do ribossomo pode aumentar ou diminuir a quantidade de informação associada ao ribossomo. Para decidir se é uma perda ou um ganho de informações, um cálculo detalhado é necessário, sendo que tal cálculo deve fundamentar-se em conhecimento também detalhado, referente ao que ocorreria em uma modificação particular ocorrida no ribossomo.
Entretanto, esse nível de conhecimento ainda não está disponível. Palpites sobre se há ou não aumento nas informações devido a mudanças ocorridas nos ribossomos sejam dados por Spetner ou por um leigo, possuem o mesmo nível de validade. Afirmar que foi Spetner quem disse, daí ser válido, sem qualquer trabalho que confirme ou não confirme a alegação denomina-se argumento da autoridade.
A tentativa de Spetner em fundamentar sua afirmação de que a quantidade de informação é diminuída pela mutação descrita porque esta mutação faz com que o ribossomo torne-se menos específico é por si sem fundamento.
O ribossomo pode tornar-se menos específico em relação à estreptomicina, mas pode tornar-se mais específico, em relação a alguma outra substância, em outro ou no mesmo local.
Desde informações sobre essa possibilidade estejam ausentes, não há razão para afirmar que a especificidade, no sentido dado por Spetner tenha realmente decrescido. Portanto, a afirmação de Spetner referente à que a mutação em questão tenha resultado em uma diminuição da informação é pura especulação sem qualquer valor confirmatório.
O metabolismo do Xilitol:
Dada a ampla discussão que Spetner faz a respeito da especificidade das ligações, devido as suas hipóteses enfatizarem que especificidade é equivalente ao número de substratos vinculados, surpreende a análise referente à mutação da ribulose em xilitol, em cujo estudo o autor não considera a especificidade de ligação.
Spetner considera uma medida bioquímica chamada especificidade, mas isso não é a sua medida de especificidade. Esta é uma relação entre a eficiência catalítica e especificidade de ligação.
Para o exemplo dado, a sistemática da medição parece ser bem trivial, e pode-se lidar com ela. Na verdade, não é isso. Eficiência catalítica é outra coisa.
Vale aqui que façamos uma digressão a fim de explicar o termo eficiência catalítica de uma enzima.
A eficiência catalítica de uma enzima pode ser expressa através da constante de especificidade, igual à razão Kcat/Km.
Onde:
Kcat = constante da taxa catalítica que caracteriza uma reação enzimática. Existe um valor máximo teórico para esta constante, cerca de 10 ^ 8 a 10 ^9 / (M* s), denominado limite de difusão.
Km = constante dissociação que caracteriza a ligação de uma enzima a um substrato. Quanto menor o valor de Km, maior a afinidade entre a enzima e o substrato; constante de Michaelis.
Ec = Kcat/Km = eficiência catalítica de uma reação. Quanto maior Kcat/Km, mais rápida é a conversão do substrato em produto.
A constante de especificidade relaciona-se tanto com a afinidade da ligação do substrato à enzima (Km) como com a capacidade catalítica desta (Kcat), pelo que se torna útil para a comparação entre diferentes enzimas, ou a mesma enzima com diferentes substratos.
Considerando-se que cada colisão entre enzima e substrato resulta em catálise, a velocidade global de formação do produto não será limitada pela velocidade de reação da enzima, mas sim pela velocidade de difusão das moléculas em solução.
Enzimas que possuam uma constante de especificidade perto deste valor são designadas enzimas catalítica ou cineticamente perfeitas. Alguns exemplos incluem as enzimas triose fosfato isomerase, anidrase carbônica, acetilcolinesterase, catalase, fumarase, beta lactamase e superóxido dismutase.
Definitivamente o termo “eficiência catalítica” não é passível de uma "medida de endereçamento", pois se baseia em uma série de propriedades físico-químicas, tais como a distribuição de carga no substrato, a rotação livre do grupo do lado catalítico (o catalisador de um grupo que gira 10 angstroms têm mais ou menos informação do que um que gira 15 angstroms?) e assim por diante.
Criticamente, dois substratos podem ter a mesma especificidade de ligação, mas eficácias catalíticas distintas, o que confundiria a análise de informações.
Pior ainda, o argumento Spetner está relacionado ao número de substratos realizados. No entanto, na mutação desidrogenase ribulose para xilitol desidrogenase, em ambos os casos, a enzima ligada a três substratos, por sua própria definição demonstra não ter ocorrido qualquer alteração nas informações. A taxa de desidrogenação variou, mas o número de substratos produzidos em não mudou. Dois pontos devem ser salientados:
Ponto 1: Como fora anteriormente observado, a métrica de Spetner é uma medida a qual afirma que uma enzima que se liga substrato A e ao substrato B tem menos informação do que uma enzima que se liga sozinha substrato A (lembre-se ghtsh, que "liga" Lightship ou a Nightshade e tem menos informações que ghtshi que obriga apenas Lightship, porque ghtshi é uma seqüência mais longa).
Isso não funciona quando estamos comparando uma enzima que se liga 20 moléculas de substrato A para cada 80 moléculas de substrato B, e uma enzima que se liga e 80 moléculas de substrato A para cada 20 moléculas de substrato B. O comprimento da linha de ligação não variou, ou variou na direção exigida por Spetner, então a medida do comprimento de bits não ajuda em nada.
Ponto 2: A magnitude relativa da mudança pode ser inteiramente devido a alterações na eficiência catalítica, que não tem nenhum conteúdo de informação no esquema de endereçamento proposto por Spetner. Tão pouco se vislumbra qualquer forma significativa para calcular as informações neste ponto pois não há qualquer medida de informação para tal.
Fica pior ainda; Spetner compara as especificidades ", de 3 de substratos, porque eles eram os únicos substratos medidos no experimento.
Na realidade ribulose desidrogenase (e xilitol desidrogenase) ligam-se muito mais substratos do que apenas a 3 deles (embora a eficiência catalítica seja muito baixa para a maioria dos substratos vinculados).
Como apontado acima, sem apreciação do rol completo de substratos, qualquer alegação sobre especificidade no campo das enzimas, não possui qualquer fundamento.
Mas que substratos seriam estes? Se nos limitarmos a substratos naturais, há que se excluir o xilitol, um açúcar sintético não encontrado no ambiente natural, mas o desenvolvimento da atividade do xilitol desidrogenase foi o ponto de todo o este exercício. Caso se incluam os substratos sintéticos, haverá potencialmente um número infinito de substratos para serem testados. Como saber o que realmente estaria ocorrendo?
Na seqüência, Spetner assume que o ponto obtido no experimento (onde Ribulose e Xilitol estavam sendo discriminados em taxas aproximadamente semelhantes pela enzima mutante), foi tão bom quanto ele esperava; não foi possível nenhuma melhoria na informação.
No experimento, ele olhou, o ponto principal que era saber se a atividade xilitol poderia ser desenvolvida, sem chegar ao ótimo. De fato, em outras experiências foram produzidas enzimas mutantes que quebraram o xilitol 20 vezes mais rápido que ribulose, o que destrói a tese proposta por Spetner.
Ver Hartley, B.S. (1984) Experimental evolution of ribitol dehydrogenase. In R.P. Mortlock (ed.), "Microorganisms as Model Systems for Studying Evolution" (pp.23 - 54) Plenum, New York.).
Assim, o exemplo da ribulose não sustenta a tese Spetner's. Além disso, há literalmente centenas de enzimas em que mutações aleatórias resultam em alta especificidade de substrato.
Há uma enorme gama de trabalhos sobre o desenvolvimento de novas enzimas com atividades específicas, a partir das proteínas alfa- beta gerais cilíndricas.
Ver, Matsumura I, Ellington AD. In vitro evolution of beta-glucuronidase into a beta-galactosidase proceeds through non-specific intermediates. [ PubMed] J Mol Biol. 2001 Jan 12;305(2):331-9), e, recentemente, a evolução das atividades específicas de ligação aleatória de peptídeos(ver Hayashi Y, et al., Can an arbitrary sequence evolve towards acquiring a biological function? [ PubMed] J Mol Evol. 2003 Feb;56(2):162-8..
Spetner e as mutações dirigidas:
Spetner acredita que ele tem demonstrado que mutações aleatórias não pode produzir o aumento das informações que seriam necessárias na evolução (como vimos, ele está errado).
Em sua proposta, a evolução se dá por meio de mutações dirigidas (com a implicação de que a Inteligência Divina está, de alguma forma por trás desta direção). A existência aparente de mutações dirigidas foi baseada em alguns dos primeiros trabalhos de Barry Hall. No entanto, Spetner não deu seguimento a pesquisa mais recente sobre esse trabalho, e desconhece a origem e o significado do termo mutações dirigidas.
A maioria das pessoas sabe que as mutações surgem aleatoriamente durante a divisão celular, e que tais mutações ocorrem em diversos pontos no ciclo de replicação, como uma conseqüência de danos causados por exemplo, devido a ação de produtos químicos mutagênicos, quantidades de radiação, ou erros de leitura de prova no processo de cópia.
No entanto, a maioria das pessoas ignora que há volumes significativos de DNA em células que não estão em crescimento, bem como não estão se dividindo.
Ver: Foster PL & Rosche WA. Mechanisms of mutation in nondividing cells. Insights from the study of adaptive mutation in Escherichia coli [ PubMed] Ann N Y Acad Sci 1999, 870, 133-45.
Mutações adaptativas dirigidas são mutações que, aparentemente, resultam no aparecimento de mutações seletivas favoráveis. A designação destas mutações tem causado controvérsia considerável e elas foram chamadas de adaptativa, dirigida, seleção induzida, e mutação induzida pelo estilo de vida estressante (SLAM).
Um pesquisador cunhou para tal o nome "Fred", enquanto tenta encontrar um nome que não poderia inflamar os críticos. "Fred" parece ter encontrado a sua maneira, pelo menos em discurso informal proferidos por pesquisadores relevantes.
"Fred" ocorre apenas em seleção não-letais em células que não estão em divisão, e é sugerido como um mecanismo neo-Lamarkista para obter informações sobre o ambiente nos genes. No entanto, "Fred" é isso, e não é dirigido no sentido de que Spetner sugere (ver as citações acima).
Assim, “Fred” é descrito como:
Fred não é lamarckista. Não há transcriptase reversa envolvida, os mutantes não são transcritos para trás de alguma proteína ambientalmente alterada ou mesmo a partir de um mRNA fortuitamente modificado.
Fred não se dirige; as mutações são encontradas aleatoriamente em todo o genoma, não apenas na "adaptação" do gene.
Fred é dependente de recombinação, o que causa dano ou a uma das enzimas de recombinação RecA ou RecBCD reduzindo a taxa de mutações adaptativas.
Fred é dependente de DNA polimerase, no DNA Pol III mutantes com melhor leitura de prova, têm a taxa de mutações adaptativas reduzida.
Fred é em grande parte dependente de reparo nas combinações defeituosas (MMR). Defeitos em MMR aumentam mutações adaptativas e aumentam o MMR, bem como a sobre expressão de MMR reduz as mutações adaptativas. Fundamentalmente, a MMR é reduzida nas células que não estão em crescimento, bem como em células sob stress.
O modelo a seguir mostra como mutações adaptativas ocorrem. Células que não estão em crescimento nutricionalmente estão sob tensão.
O estresse leva a fita dupla quebra no DNA, recombinação vis RecBCD primeira etapa para a síntese de DNA. O DNA Pol-III termina o trabalho, mas comete erros, que deslizam, pois a carência de nutrientes em grande parte desativou u mecanismo de reparo de cópias ruins.
Isto resulta em grandes mutações do genoma em um ritmo mais rápido que o normal, e mutantes ocasionais que podem utilizar o substratos seletivos.
O exemplo canônico é a E. coli que têm um gene Lac aleijado, e não pode utilizar a lactose, quando semeadas em um meio que só tem lactose como fonte de carbono, assim estas células não podem crescer.
Porém, após determinado período decorrido, aparecem colônias que podem usar a lactose. Estas colônias incluem uma versão do gene aleijado que foi restaurado para funcionar (geralmente por um deslocamento de estrutura bp 1).
Então Fred, embora certamente excitante do ponto de vista genético, acaba simplesmente por ser mais uma mutação aleatória sem graça.
Conclusão:
Embora os argumentos Spetner sejam superficialmente plausíveis, ao se olhar mais profundamente para suas propostas, por meio de certos conhecimentos em bioquímica, sua linha de raciocínio mostra falhas.
Spetner erra nos detalhes da biologia. A especificidade do ligante não é diretamente regida pelo comprimento do fio de ligação tal como exigido por sua teoria, e a união do ligante não é um caso de "tudo ou nada".
Isso invalida suas análises. Mesmo assim, próprios exemplos Spetner não apoiam suas alegações. Além disso, ao usar suas métricas Spetner as modifica sem qualquer critério quando uma delas mostra alterações inconvenientes.
Em seu esforço para comprovar sua hipótese, Spetner valeu-se dos cálculos de probabilidades, da comparação entre aleatoriedade X não-aleatoriedade, e da análise de melhoria pela informação.
Os cálculos de probabilidades propostos não possuem fundamentos, a noção de que eventos aleatórios não sejam capazes promover a evolução ser algo incerto, e a alegada falta de informação construir-se como não provada, a pergunta-se: O que há para ser levado a sério na proposta de Spetner?
Não há quase qualquer chance do livro de Spetner poder ser levado a sério por biólogos. Naturalmente, os adeptos do Design Inteligente podem elogia-lo por supostamente ter mostrado que a evolução não pode gerar a informação, tese esta que tem sido promovida por outros criacionistas em um nível muito mais elevado de sofisticação. Entretanto todos os argumentos por eles apresentados foram rejeitados pela maioria tanto de biólogos como teóricos da informação (ver, por exemplo, os debates de livros e artigos por Dembski, Behe e Johnson aqui).
De qualquer forma, independentemente da hipótese Spetner ser correta ou errada, isso não implica em conseqüências religiosas, mesmo que possa ser contrário às intenções de Spetner.
Suas tentativas para interpretar a hipótese que apresentou como prova de determinados conceitos religiosos foram, em primeiro lugar, inúteis, e, segundo, sem sucesso, uma vez que tal hipótese pode ser igualmente vista como confirmar ou contradizer aqueles conceitos que não têm relação com sua veracidade.
Outro ponto fraco do livro pode ser visto como as tentativas de Spetner em querer provar sua hipótese, invocando a probabilidade, o acaso, e de informação, e de ter feito isso de uma maneira que não satisfaz as exigências do discurso científico, mesmo no nível de uma narrativa popular.
Spetner teve a chance de escrever uma discussão séria sobre um problema importante, sugerind sua visão do problema, em uma forma não sensacionalista. Ele escolheu outro caminho. Portanto o título do seu livro, “Not by Chance” se tornaria mais adequado, se mudasse para “A Missed Chance”.
Quanto àqueles que tratam o criacionismo e o DI como teorias de cunho científico, recomendo que se informem mais antes de estabelece-las como verdades absolutas e incontestáveis. Uma teoria científica não se constrói se apoiando em pontos ainda não compreendidos de outras teorias e dizendo-se que uma inteligência superior é a responsável pelo evento. Isso, francamente, não explica nada, além de ser excesso de preguiça mental.
Teorias científicas se erguem a partir da confirmação ou não de suas hipóteses, por meio de testes de falseabilidade.
Infelizmente, todas as marcas de criacionistas, que até então apareceram, sequer confirmam as hipóteses que propõem, além de tratar como irrelevantes quaisquer formas ou testes para demonstrá-las.
Simplesmente o fato de alguém deter uma credencial científica, não significa que esteja correto e que o que disser deva ser tomado como algo incontestável, acima de qualquer coisa, por ser uma autoridade no assunto.
Isso funciona bem para dogmas religiosos, desde que cada qual se encontre em seu sistema específico. Mas não é o caso para o discurso científico, onde confirmar ou rechaçar hipóteses é imprescindível.
Quanto a Spetner, provavelmente por ignorância em bioquímica e biologia, aliado à sua crença arraigada no Judaísmo (prefiro pensar assim), demonstrou estar completamente desinformado acerca de mecanismos celulares e de reações químicas.
Desse modo, seu livro pode ser classificado como mais uma peça sem qualquer fundamento pertencente aos "trabalhos científicos sobre a Ciência da Criação". O fato de algo estar em um livro, não significa que seja verrdadeiro ou que tenha obtido o respaldo da comunidade científica.
O trabalho de Spetner sequer foi submetido aos rigores da revisão científica. Trata-se apenas de sua forma de ver o mundo.