quinta-feira, 1 de março de 2007

PSEUDOCIÊNCIA E A MENSAGEM DA ÁGUA











http://www.caminhosdeluz.org/A-173.htm

Pesquisador japonês de nome Masaru Emoto diz ter provado que pensamentos e sentimentos afetam a realidade física. A maior de suas descobertas é a influência do pensamento e das palavras na transformação das moléculas da água.

Segundo ele e os seus seguidores, a energia humana vibracional, os pensamentos, as palavras, as idéias e a música afetam a estrutura molecular da água (Mensagens milagrosas da água).


Energia humana vibracional.

A página que contém esse texto possui links para Snow Crystals do Caltech - California Institute of Technology. A página do Caltech trata de cristais de neve e da sua formação, mas em nada referenda as supostas vinculações entre o poder da mente e a formação de cristais. São textos de divulgação científica com explicações racionais sobre a neve e a formação de cristais d'água.

O texto original Mensagem da água expõe a idéia central do livro Message of the water de autoria de Masaru Emoto. A Mensagem veio do Japão, chegou ao Brasil traduzida da versão inglesa e se instalou em várias páginas da web. Diz que o poder da mente é capaz de mudar a estrutura molecular da água.

E de que maneira?

Uma das versões sugere duas:

- a 'força' do pensamento ou de uma oração. A pessoa se concentra, pensa em alguma coisa e, dependendo se o pensamento é bonito ou feio, o cristal de neve em que a água se transforma também fica bonito ou feio. Pensamento bonito, cristal hexagonal e bonito.

- a 'força' de uma palavra escrita num papel. O papel deve ser colado no recipiente que contém a água a cristalizar. Uma palavra feia como 'hitler' produz um cristal feio. Uma palavra bonita como 'Vera Fisher' ou 'Gisele Bündchen', eu imagino, produz um cristal bonito. (E se um dos integrantes da gang do petróleo como Chenney ou Rumsfeld escrever 'bush' no papel: o cristal fica troncho ou deformado? :)

A verdadeira estrutura da água somente se apresenta quando ela encontra-se sob a forma cristalizada, diz o Dr. Masaru Emoto. O procedimento correto é submeter a água, enquanto líquida, ao estímulo adequado e analisar o resultado após submetê-la a baixas temperaturas. Ao formar-se o cristal, equipamento especialmente desenhado com essa finalidade fotografa a estrutura cristalizada.

Escrever ou falar pra água uma palavra maviosa, doce ou terna produz uma cristal bonito.

Ah, mas isso depende do idioma. E a água reconhece os idiomas. Como ela faz isso? Boa pergunta.

Como o conceito de bonito e de feio é relativo e cada pessoa e cultura cria a sua própria boniteza, dá pra perceber a complicação a que a água é, involuntariamente, submetida. A quem ama, o feio bonito lhe parece, diz o ditado popular: o que é feio para uns, pode ser bonito para outros.

É bom não esquecer que, ao cristalizar, a água muda a sua estrutura molecular. Sempre. Isso decorre de uma propriedade física da substância água e não é necessária nenhuma 'influência mental' para esse novo ordenamento molecular acontecer.
Os adeptos dessa 'teoria' falam, também, da interferência da música na formação dos cristais. Mozart e Beethoven produzem belos cristais.

O rock pesado produz cristais horríveis.

Quanto a interferências da música na formação de cristais de neve a coisa pode até acontecer. Tudo depende da distância entre a fonte vibracional e o recipiente que contém água, pois diante de maiores ou menores vibrações a água pode cristalizar-se de uma ou de outra forma. Vale lembrar que fonte vibracional neste caso refere-se a um alto-falante ou outra fonte emissora de sons e não a 'vibrações bio-energéticas', 'vibrações psicobiofísicas' ou assemelhadas.

De qualquer forma, não existem dois cristais de neve iguais. Pelo menos é isso o que asseguram os cientistas. ( Veja Is it really true that no two snow crystals are alike?)

Considere a palavra 'iguais' como termo matemático dispensando, dessa forma, o acréscimo de um penduricalho gramatical como absolutamente ou totalmente para dar ênfase a essa característica. Em matemática, duas entidades podem ser iguais ou diferentes. Não há uma terceira alternativa no quesito igualdade.

Para adicionar um grau maior de imprecisão e de inexatidão a essa 'teoria', o mesmo estímulo não vai produzir sempre o mesmo resultado: cristais de mesmo formato. Significa dizer que falar amor, obrigado ou arigatou em oportunidades diferentes não vai criar o mesmo padrão de cristais.

Nada a ver, mas isso lembra um famoso ator capaz de falar 'boa noite' usando 85 diferentes inflexões. Como reagiria a água, coitada, a cada um dos humores desse ator? :)

Em uma página, diz-se que foram obtidas amostras d'água do lago Fujiwara (Japão). Feita a cristalização dessa amostra, o resultado foi um cristal feio e deformado.

Fue quando el reverendo Kato Hoki, prior del Templo Jyuhouin, realizó una meditación de una hora junto al lago. El reverendo [ ... ] durante su meditación de una hora, invocó a los espíritus de Los Siete Cielos: Los dioses de la fortuna.

Outra página acrescenta:

De seguida (sic), colheram-se novas amostras de água, que foram congeladas e fotografadas. Tal como poderá apreciar pela fotografia [ ] as alterações são surpreendentes: a gota amorfa e acinzentada transformou-se numa brilhante e clara estrutura cristalina hexagonal, branca.

Foi a 'prova definitiva' da interferência da mente humana na formação dos cristais de água.

Quanto ao fato de o autor da descoberta ser um 'pesquisador' ou 'cientista' aí vão duas palavrinhas.

Primeiramente, existem pesquisas e pesquisas, cientistas e cientistas.
Houve uma época em que algumas pessoas diziam "os russos estão estudando" quando pretendiam dar um teor de verdade a uma coisa qualquer como discos voadores, telepatia ou telecinésia. Ocorre que o fato de existirem cientistas, na Rússia ou no Liechtenstein, que estudam o câncer e a sua cura não significa que essas pessoas já tenham descoberto o tratamento e a cura dessa doença. Os estudos, as pesquisas encontram-se em andamento e ainda não são conclusivos.


Se algumas pessoas estudam a telepatia ou a telecinésia não significa que elas já tenham todas as respostas e descrito, se não todas, pelo menos as principais variáveis envolvidas nesses fenômenos.

Isso não significa negar a existência de fenômenos naturais, ainda em estudo e não totalmente desvendados. Durante muito tempo, achava-se que o estrondo do trovão era o resultado de uma desavença entre entidades sobrenaturais. Um dia, descobriu-se que o estrondo causado pelo trovão é o resultado da ação de entidades físicas e terrenas.

O fato de uma pessoa ser titulada ou intitular-se cientista não significa que tudo o que ela fizer ou disser deva ser tomado como coisa verdadeira e inquestionável. Isso é válido tanto no campo das generalidades como também no próprio campo de especialização do cientista. O questionamento, a submissão a testes e a provas faz parte do dia-a-dia da pesquisa científica. (A propósito: veja o livro Scientific blunders de Robert Youngson, ed. Carrol & Graf Publishers, Inc, New York, 1998.)

Uma das características da ciência e que a distingue, por exemplo, da religião é a provisoriedade dos seus conceitos. Algo que a ciência tinha como verdadeiro no passado, hoje pode não mais ser verdadeiro e ela reconhece tal divergência com naturalidade. A verdade de hoje talvez não seja a mesma de amanhã.

Outras características são a universalidade e a reprodutibilidade (alguns chamam de replicabilidade). Um experimento químico realizado no Japão pode ser reproduzido, sob as mesmas condições, em Santo Antônio do Salto da Onça.

Os 'experimentos' do Dr. Emoto não têm respaldo na ciência nem na racionalidade, mas no misticismo. Eles pertencem àquilo que se chama de pseudociência ou não-ciência.
Não há dúvida de que as preocupações do Dr. Masaru Emoto, e de muitas outras pessoas, com a qualidade da água do planeta são válidas, absolutamente necessárias e inquestionáveis. Preservação, conservação, descontaminação, despoluição são coisas indispensáveis e essenciais.

O que não dá é misturar as coisas e incutir nos mais crédulos a idéia de influência de 'forças mentais' na produção de cristais de neve ou na mudança das qualidades físicas e químicas da água.

Em uma das entrevistas do Dr. Emoto há um trecho capaz de influenciar pessoas a agirem de forma irresponsável e perigosa. Veja só o que ele diz:

Pergunta: Se pudermos "contaminar" Água com a energia de várias palavras, por exemplo, com a palavra "saúde", então poderemos ter a Água com essa vibração e usá-la para coisas como regar plantas, cozinhar, etc? Dr. Emoto: Não tentamos isso, mas algumas pessoas que leram o livro estão experimentando, rotulando garrafas com Água de torneira com palavras como "Amor" e "gratidão" e usando essa Água para regar as plantas ou colocando flores na Água. Eles estão descobrindo que as flores duram muito mais e as plantas neste jardim estão muito mais radiantes.

Isso pode induzir as pessoas a rotular, com palavras amáveis, água de má qualidade e passar a usá-la na cozinha, para beber ou para regar hortaliças na expectativa de que manchas de tinta feitas num pedaço de papel colado numa garrafa possam alterar as propriedades físico-químicas de uma água imprópria para o consumo humano ou para irrigação de verduras.

As palavras do Sr. Emoto podem ser muito bonitas, inspirar paz e tranquilidade. Com sua imensa bondade, digna de um monge oriental, ele percorre o mundo numa cruzada em favor das reservas hídricas e contra a poluição das águas enquanto aproveita a oportunidade para divulgar os seus livros (vendidos por € 27,00 a € 40,00 cada volume ;).

Agora, pretender misturar misticismo com questões de saúde e de preservação ambiental é uma coisa muito arriscada e pode acarretar prejuízos irreparáveis a quem seguir a sua receita de despoluição da água por via mental. Falando claramente: é irresponsabilidade.

Em Message of the water apresentam-se reproduções de fotos contidas no livro de mesmo nome de autoria do Dr. Masaru Emoto. São fotos de cristais de água de várias partes do mundo e obtidos em circunstâncias variadas:

> fonte de Lourdes, França, (eu esperava encontrar um cristal com simetria perfeita, como convém a um lugar sagrado ;)
> uma água que 'ouviu' Bach (a figura pode até lembrar um ornato do sec. XVIII, mas nada significa);

> água que 'ouviu' Chopin;
> água que 'ouviu' música Heavy Metal; (nesse ponto, eu e água compartilhamos o mesmo gosto :)
> água exposta às palavras Thank you impressas num papel;
> água da represa de Fujiwara antes de uma prece;
> água da mesma represa depois da prece.


E quem é o Dr. Masaru Emoto?

Ele nasceu em Yokohama, Japão, em 1943. Graduou-se em ciências humanas com especialização em relações internacionais pela Yokohama Municipal University.
Em 1992, ele recebeu o diploma de doutor em medicina alternativa pela Open International University de Calcutá, Índia.

O artigo Messaggi dall’acqua diz que, em 1984, o Dr. Emoto começou a aprofundar os seus estudos sobre a água depois de encontrar o norte-americano Lee H. Lorenzen, especialista em água estruturada (clustered water), produto de eficácia não comprovada nos meios científicos. A clustered water é mais uma picaretagem.
Outro artigo (Crystal Clear – Messages from Water) diz que o encontro com o Dr. Lorenzen ocorreu na década de 90.


Um comentário:

Author disse...


Outro dia eu estava assistindo a um vídeo de uma palestra em que o apresentador falava sobre uma tal de "Medicina Quântica"...

Não faço a mais vaga ideia do que o termo "quântico" realmente signifique (senão, talvez, a de que ele deva dizer respeito a realidades no nível atômico ou algo parecido); mesmo assim, todavia, ficou evidente aos meus leigos olhos que um conceito científico estava sendo deturpado e/ou aplicado indevidamente à área da saúde.

Diante de tudo isso, a impressão que tenho é a de que um elemento comum a e bastante recorrente em todas essas "picaretagens" vistas por aí, é o fato de elas estabelecerem relações falsas ou equivocadas entre causa e efeito.

Só não vê quem não quer.