domingo, 27 de junho de 2010

Maus usos da filosofia e ignorância científica Parte 5

TEXTO 5:

Este texto faz uma alusão ao princípio antrópico. Recordando:

O Princípio antrópico estabelece que qualquer teoria válida sobre o Universo tem que ser consistente com a existência do ser humano, ou seja, o único universo que podemos ver é o universo que possui vida.

Se existe outro tipo de Universo, nós não podemos existir para vê-lo, tal como Weiberg propusera no post anterior.
O princípio antrópico divide-se em:

1 - Princípio antrópico forte: afirma que, em geral, que o Universo comportou-se de forma a adaptar-se ao Homem.

2 - Princípio antrópico fraco: afirma que o Universo comportou-se de forma a surgir o homem, sem esse pleito pré-definido.

Assim, conforme o Dicionário do Cético, o princípio antrópico é a crença, por parte de alguns físicos, de que seja virtualmente impossível que numerosos fatores no início do Universo, que teriam de ser coordenados de forma a produzir um universo capaz de sustentar formas avançadas de vida, pudessem ser obra do acaso.

Essa crença é tida por alguns como boa evidência de que este Universo foi provavelmente criado por um ser muito poderoso e inteligente (provavelmente chamado Deus).

 

Se a massa do universo e as intensidades das quatro forças básicas (eletromagnetismo, gravidade e forças nucleares forte e fraca) fossem diferentes, ou se não tivessem passado por "ajuste fino" para trabalhar em conjunto da forma que o fazem, o universo, como o conhecemos, não existiria.

 

Um delicado equilíbrio de constantes físicas é "necessário para que o carbono e outros elementos químicos após o lítio, na tabela periódica, sejam produzidos nas estrelas".

Resumindo, é preciso que muitas coisas aconteçam em conjunto para existirmos (as chamadas "coincidências antrópicas"). Aparentemente, alguns físicos acham estranho existirmos justamente no momento da história do Universo em que poderíamos existir.

Conforme fora explorado nos posts 1 e 4, a resposta para tais coincidências denominadas de "ajuste fino" (exploradas no post 1), têm surgido a partir do panorama das cordas, sendo uma preguiça mental atribuir a seres do além as origens do Universo.

Outro ponto deste texto trata da impossibilidade do multiverso, baseada no argumento de John Polkinghorne de que a hipotese de multiversos se trata de pseudociência e conjectura metafísica. A afirmação, segundo informa o texto parece ter sido feita em 1996, quando estava-se engatinhando na teoria das cordas.

 

O texto segue insistindo na ideia da impossibilidade do multiverso, ignorando por completo o que existe de mais novo na física teórica.

 

A questão também foi explorada no post 3. Embora não possamos visualizar diretamente este multiverso, a teoria das cordas, se correta, indiretamente demonstra o panorama para a existencia deste como de outros universos, perfazendo um multiverso.

O texto ainda faz diversas afirmações completamente divergentes do que fora apresentado no post 3. Nem merecem ser discutidas.


Entretanto, travaremos nossa análise no seguinte ponto:

[Contudo, mesmo nessa condição, a hipótese de diversos mundos é comprovadamente inferior à hipótese do Design, porque a hipótese do Design é mais simples. De acordo com a Navalha de Ockham, não deveríamos multiplicar os casos além do necessário para explicar o efeito. Mas é mais simples postular um projetista cósmico para explicar nosso universo que postular a enorme e elaborada ontologia da hipótese de diversos mundos.]

Flagrantemente, o argumento aqui apresentado se trata do profundo desconhecimento no que concerne ao princípio filosófico da Navalha de Ockham.

Aqui neste ponto é interessante que conheçamos os pensamentos de Duns Scot e o de Willian Ockham.


1 - Duns Scot (1270 a 1308 ?):

No Continente Europeu, a escolástica atingira seu ponto maior com a síntese tomista entre as verdades da revelação bíblica e os conceitos da razão aristotélica, no Arquipélago Britãnico, o pensamento seguia um caminho próprio, que parecia buscar seus desejos de afirmação autônoma, em detrimento da universalização propalada pelo pensamento continental romanizado.

Robert Grosseteste (1168 a 1253) aplica a linguagem matemática à explicação dos fenômenos naturais e Roger Bacon (1214 a 1294) defende o primado da experiência, inclusive no campo religioso. Ambos, assim, repelem a abstração e a silogística escolásticas, considerando-as insuficientes para que o homem seja capaz de compreender as coisas.

É dentro destas coordenadas que se situa John Duns Scot, cujos objetivos não eram fundamentalmente filosóficos, mas religiosos.

No pensamento de Duns Scot, a fé, o amor e a ação têm maior importância para a salvação que a ciência. A verdade era encontrada nos textos bíblicos, tal como interpretados pela tradição da igreja, cujas decisões eram isentas de erros.

Duns scot se coloca em posição oposta a Tomás de Aquino no que se refere á relação entre os problemas da fé e da razão. Para Duns Scot, as verdades da fé não podem ser compreendidas e demosntradas pela razão, constituíndo meros credibilia (o que pode ser crido).

Dessa forma, Duns Scot separa radicalmente a teologia da filosofia e não admite que aquela tenha qualquer fundamentação racional, devendo apoiar-se apenas na revelação.

A teologia deve ser entendida como uma disciplina de cunho prático, a fim de fornecer ao cristão normas reguladoras para sua conduta. Assim, a filosofia proclamou sua independência em relação à teologia, deixando de ser sua serva, como acontecera durante toda a Idade Média.

Outro ponto que difere o pensamento de Duns Scot do de Tomás de Aquino encontra-se na teoria da essência. Para Aquino as essências constituem-se em universais que tornam inteligíveis os seres particulares. Desse modo, o conhecimento só poderia dar-se no domínio das essências universais, aquelas formas mediante as quais são determinados todos os seres individuais.

Para Scot, o universal e o individual estão contidos indiferentemente na essência. Isso quer dizer que o real não é pura universalidade, pois esta fragmenta-se nos diferentes indivíduos. Por outro lado, significa também que o real não é pura individualidade, que pode ser comprovado pelas ideias gerais.

Dessa forma, as essências não seriam, portanto, apenas universais, mas também individuais. Tal pensamento revela o conceito de estidade, que afasta da filosofia a preocupação exclusiva com as essências universais e transcendentes e formula o início de uma concepção que atribui estatuto de ciência ao aqui e agora.

Essa legitimação racional do individual e do imediato parece continuar a tradição inglesa, já evidenciada em Roger Bacon, de valorização da experiência, que pode ser interpretada também como formulação, no plano da pura filosofia, da necessidade de fundamentar a justificativa da própria peculiaridade da experiência cultural inglesa, individualizada e contraposta à universalidade cultural e política do Continete Europeu.


2 - Willian Ockham (1284 a 1349?):

Foi discipulo de Duns Scot. Levou ainda mais longe que seu predecessor os elementos de dissolução da escolástica continental. Suas teses foram consideradas demasiado heterodoxas pelas autoridades papais.

A sua oposição pela ortodoxia papal, por um lado , manifestava o próprio conflito político entre o poder temporal dos reis ingleses contra o poder espiritual dos papas. E, por outro lado, exprimia a oposição das tendências empiristas da filosofia inglesa ao racionalismo universalizante do pensamento continental europeu.

Ockham afirmava que: "Assim como Cristo não veio ao mundo a fim de tomar dos homens seus bens e direitos, o vigário de Cristo (o papa), que lhe é inferior e, de modo algum o iguala em poder, não tem autoridade ou poder para privar os outros de seus bens e direitos."

Afirmações como estas e suas implicações fizeram com que Ockham lançasse os fundamentos do laicismo. O resultado disso foi um conflito, por toda sua vida, com as autoridades da Igreja Romana. Tanto que em 1325 foi confinado em um convento franciscano de Avignon, até 1326, esperando o resultado de um processo que condenou seus "heréticos e pestilentos comentários".

O fundamento filosófico da rebeldia de Ockham encontra-se em sua doutrina sobre os universais. A teoria da estidade de Scot dera um passo para a negação da realidade dos universais.

Platão e Aristóteles, apesar de terem posições diferentes sobre a origem das idéias, definiram o campo de nossa experiência cognitiva ao estabelecer que todo conhecimento tem uma parte sensível e outra intelectiva.

Para que algo possa ser conhecido por nós é preciso que seja percebido pelos sentidos, mas isso ainda não é suficiente para dizermos que conhecemos o que a coisa é. É preciso que reconheçamos tal objeto como um objeto de certo tipo e não de outro (para que eu identifique o objeto como cadeira e não como banco, por exemplo).

Para isso, eu preciso de um conceito. Um conceito é uma representação geral e abstrata de algo. Ele é um meio entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido. Por meio dele eu me refiro às coisas no mundo e posso comunicar meus conhecimentos para outras pessoas.

O conceito pode ser considerado subjetivamente como ato de conceituar ou classificar os objetos e, objetivamente, como conteúdo do ato, ou seja, o que o conceito significa.

Por seu caráter geral e abstrato, os conceitos são considerados universais, ou seja, um termo que é comum a muitos singulares, sem designar a nenhum deles em particular, da mesma forma que podemos dizer que os indivíduos singulares Maria, João, José pertencem à humanidade (universal).

Há quatro grandes linhas centrais que tratam este tema:

a- O realismo platônico onde gêneros e espécies seriam formas ou ideias, portanto entidades dotadas de uma existência autônoma, pertencente ao mundo das ideias e independentes, tanto das coisas concretas (o cavalo), quanto de nossos pensamentos (o conceito de cavalo);

b - O realismo aristotélico, onde gêneros e espécies existem nas coisas como formas da substância individual e podem ser conhecidos por nós através da abstração, em que destacamos do particular o universal, isto é, percebe-se que o indivíduo é um cavalo.

c - O conceitualismo, de Pedro Abelardo (1079 a 1142), sustenta que os universais são apenas conceitos, ou seja, predicados de sentenças que descrevem o objeto (isto é um cavalo), existindo, portanto, na mente como meio de unir ou relacionar objetos particulares dotados das mesmas características ou qualidades.

d - o nominalismo inaugurado por Roscelino (sec. XII) que afirmava serem os universais apenas palavra, sons emitidos, não havendo nenhuma entidade real que correspondesse a eles.

O nominalismo de Ockham é mais sofisticado e elaborado que o de Roscelino, uma vez que defende um misto entre conceitualismo e nominalismo. Entende o universal como um termo correspondente a um conceito por meio do qual nos referimos a essas qualidades ou características.

Ockham retira dos universais toda e qualquer realidade ontológica, retirando-lhes a realidade objetiva, pois existem apenas no intelecto humano, como algo produzido por ele.

Não há realidade, nem nas coisas individuais, nem mesmo na mente divina. Portanto, os universais são apenas palavras (nominalismo). Como signos servem apenas para designar um conjunto de semelhanças ou identidade de caractéres, abstraídos das coisas individuais pelo intelecto humano.

As consequências do nominalismo foram as seguintes :

a) O nominalismo transformou toda a ciência em conhecimento empírico dos indivíduos, posto que por um lado, só eles constituiríam a verdadeira realidade e, por outro, porque os indivíduos são conhecidos primordialmente no plano da experiência. Para Ockham, o conhecimento conceitual ou abstrativo é confuso e indeterminado, pois apreende apenas os caracteres comuns a vários objetos e deixa escapar o que eles têm de particular e que os distingue dos demais.

b) O nominalismo criou um abismo entre o conhecimento científico (dos seres individuais, concretos, encontrados na natureza) e os domínios do pensamento religioso. A fé não poderia encontrar qualquer apoio na razão, pois os dois campos seriam indiferentes e alheios um ao outro. Desse modo, a teologia não seria uma ciência racional e Deus não teria qualquer interesse para a filosofia. Ciência e religião eram duas vias paralelas, duas "verdades" indepententes.

c) A separação radical proposta por Ockham entre fé e razão, entre teologia e filosofia, situa-se na oposição entre o poder espiritual e o poder temporal, entre o papa e o imperador. Isso é o início da dissolução do espírito medieval, finalizando o universalismo proposto pela escolástica.

Dessa forma, a filosofia de Ockham abriu caminho para as inovações renascentistas e consequentemente para a modernidade.

O universal é, assim, a referência de um termo, e não uma entidade, mas, tampouco, é apenas uma palavra, já que existe o correlato mental, o conceito, por meio do qual a referência é feita.

É dessa ideia que surge a navalha de Ockham, proposta na obra Ordinatio. O princípio de Ockham afirma que a explicação para qualquer fenômeno deve assumir apenas as premissas estritamente necessárias a sua explicação e há que se eliminarem todas aquelas que não causariam qualquer diferença aparente nas predicções da hipótese ou teoria. O princípio é frequentemente designado pela expressão latina Lex Parsimoniae (Lei da Parcimónia).

"Não devemos multiplicar a existência dos entes além do necessário. Isso quer dizer que não devemos supor a existência de entidades metafísicas como no realismo platônico, já que estas entidades não só não explicam adequadamente a natureza das coisas particulares, como carecem elas próprias de explicação."

(Parece que Ockham deve ter deixado um recadinho aos fanáticos criacionistas e aos fanáticos inrustidos "proponentes" do DI...).

A navalha de Ockham é, portanto, um princípio de economia segundo o qual nossa ontologia (teoria sobre o real) deve supor apenas a possibilidade de existência do mínimo necessário. Termos e conceitos são suficientes, assim, para das conta do problema dos universais, não havendo necessidade de supor a existência de entidades reais universais, o que é uma defesa da intuição como ponto de partida para o conhecimento do universo.

William de Ockham defende o princípio de que a natureza é por si mesma econômica, pois opta, invariavelmente, pelo caminho mais simples. Por outro lado, ele cogitou que a aplicação muito restrita desse princípio limitaria o poder de Deus (que deveria poder escolher um caminho mais complicado para alguns fenômenos se assim desejasse). No entanto, Ockham defendia que o homem, nas suas teorias, deveria sempre eliminar conceitos supérfluos.

Um outro ponto da navalha de Ockham trata de que caso haja duas explicações para uma mesma questão, a mais complexa tem mais chances de estar errada.

Isso quer dizer que, ao se tentar elaborar uma explicação para alguma coisa deve-se supor o mínimo que precisamos supor. Este raciocínio foi completado por Einstein ao dizer: "Tudo deve ser tornado o mais simples possível, mas não mais simples que isso."

Este princípio foi adotado pelo que viria a ser conhecido como método científico, que é uma ferramenta lógica que permite escolher, entre várias hipóteses a serem verificadas, aquela que contém o menor número de afirmações não demonstradas, o que facilita a verificação da teoria, constituindo assim um dos pilares do reducionismo em ciência.

agora, analisemos a frase proposta para análise no início deste post em comparação ao proposto pela navalha de Ockham:

[Contudo, mesmo nessa condição, a hipótese de diversos mundos é comprovadamente inferior à hipótese do Design, porque a hipótese do Design é mais simples. De acordo com a Navalha de Ockham, não deveríamos multiplicar os casos além do necessário para explicar o efeito. Mas é mais simples postular um projetista cósmico para explicar nosso universo que postular a enorme e elaborada ontologia da hipótese de diversos mundos.]

De início, Ockham afirma que Não devemos multiplicar a existência dos entes além do necessário, ou seja, não devemos supor a existência de entidades metafísicas como no realismo platônico, já que estas entidades não só não explicam adequadamente a natureza das coisas particulares, como carecem elas próprias de explicação.

Portanto, postular um designer já foge àquilo que Ockham propusera, pois cria uma entidade metafísica que não explica absolutamente nada acerca da existência do universo.


Também, o princípio de Ockham não se refere a dizer que devemos nos ater a tudo o que for simples, e escolher uma resposta porque ela é a mais fácil. Mas devemos buscar por esta simplicidade eliminado proposições supérfluas.

Por exemplo:

Caso tratemos de conhecer como funciona um campo gravitacional, entre um planeta e uma lua, as leis de Newton são suficientes para tal.

Todavia, caso queiramos entender por que nas proximidades de objetos massivos ,como buracos negros, o tempo flui mais lentamente, devemos buscar essa resposta na teoria da relatividade geral de Einstein.

Mas, se desejamos entender por que existe a gravidade, devemos nos remeter à mecânica quântica e à teoria das cordas, (como fora explorado no quarto post) mais especificamente, no estudo de grávitons e bósons de Higgs.

Como podemos perceber, é supérfluo eu falar sobre teoria quântica e teoria da relatividade geral se desejo medir a interação gravitácional entre a lua e o planeta, mas não é supérfluo eu falar de ambas quando necessário for (ação da gravidade e curvatura do espaço no horizonte de eventos de um buraco negro).

Não é supérfluo tratar sobre teoria das cordas quando desejo entender fenômenos quânticos que ocorrem no Universo, pois estou tratando de dar uma resposta natural a um fenômeno natural. Mas é demasiado superfluo criar uma entidade sobrenatural para explicar um processo natural.

A hipótese do multiverso é um fenômeno natural e é encontrada como uma resposta quando adentramos ao panorama das cordas. Diferentemente da hipótese do designer que somente é algo metafísico, sem qualquer evidência direta ou indireta de que exista ou de que tenha atuado na natureza.

Ou seja, em resumo, o texto trata a navalha de Ockham como se fosse uma foice nas mãos de um retardado em um campo de trigo, onde o joio não é separado daquele. É um flagrante mau uso, por pura ignorância lógico-filosófica ou por má fé em defesa de uma ideia descabida de um princípio amplamente utilizado nas ciências.

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