quarta-feira, 30 de abril de 2008

PROVAS QUE NÃO PROVAM NADA - I: DESCARTES



INTRODUÇÃO

Há muita confusão e argumentações equivocadas acerca dos expoentes da filosofia e da ciência como Newton, Pascal e Descartes no que concerne à crença em Deus.


Contudo, essas considerações não levam em conta o momento social, cultural e histórico que estas pessoas viveram.

Embora tenham vivido no período do
renascimento científico, este período ainda se tratava de uma época em que havia forte dominação da igreja, bem como há que se considerar o fato que as crendices e mitos assumiam um forte caráter na vida das pessoas.

O conhecimento científico começara a dar sinais de desenvolvimento e o pensamento filosófico ainda estava fortemente atrelado à forma de pensar ditada pelo catolicismo.


BIOGRAFIA DE RENÉ DESCARTES


René Descartes nasceu em 1596, na França e faleceu em 1650 na Suécia.

Foi filósofo, físico e matemático. Desenvolveu a geometria analítica ao fundir a álgebra com a geometria por meio de um sistema de coordenadas denominado "sistema cartesiano", o qual teve papel representativo na Revolução Científica, a qual impulsionou os trabalhos de Leibnitz e Newton no que concerne ao cálculo moderno.

Descartes é considerado o fundador da filosofia moderna e o pai da matemática modernaé considerado um dos pensadores mais importantes e influentes da História do Pensamento Ocidental. Inspirou contemporâneos e várias gerações de filósofos posteriores; boa parte da filosofia escrita a partir de então foi uma reação às suas obras ou a autores supostamente influenciados por ele. Muitos especialistas afirmam que a partir de Descartes inaugurou-se o racionalismo da Idade Moderna.

O pensamento de Descartes é revolucionário para a sociedade feudal em que ele nasceu, onde a influência da Igreja ainda era muito forte e quando ainda não existia uma tradição de "produção de conhecimento".

Para a sociedade feudal, o conhecimento estava nas mãos da Igreja, a qual concentrava o legado intelectual de Aristóteles que o clero se encarregava de disseminar.

Descartes viveu numa época marcada pelas guerras religiosas entre Protestantes e Católicos na Europa.

Em suas viagens percebeu que sociedades diferentes têm crenças diferentes, mesmo contraditórias. Aquilo que numa região é tido por verdadeiro, é achado como ridículo, disparatado, mentira, nos outros lugares.

Descartes percebeu que os "costumes", a história de um povo, sua tradição "cultural" influenciam a forma como as pessoas pensam, aquilo em que acreditam.

Desse modo, Descartes pôde tecer a consideração de que a cultura é a inimiga da Razão.

Descartes é considerado o primeiro filósofo "moderno". Sua contribuição à epistemologia (ramo da filosofia que trata dos problemas filosóficos relacionados à crença e ao conhecimento) é essencial, assim como àsciências naturais, por ter estabelecido um método que ajudou o seu desenvolvimento.

Descartes criou, em suas obras Discurso sobre o método e Meditações - ambas escritas no vernáculo, ao invés do latim tradicional dos trabalhos de filosofia - as bases da ciência contemporânea.

O método cartesiano consiste no "ceticismo metodológico, onde se duvida-se de cada idéia que pode ser duvidada.

O ceticismo metodológico consiste em duvidar de todos os conhecimentos que não sejam irredutivelmente evidentes.

Segundo Descartes, tudo aquilo que não for completamente evidente e tudo aquilo que já nos tenha enganado no passado não pode ser considerado conhecimento verdadeiro.

Por isso, a primeira regra do seu método defendia que nunca devemos "aceitar como verdadeira alguma coisa sem a conhecer evidentemente como tal: isto é, "evitar cuidadosamente a precipitação e o preconceito; não incluir nos nossos juízos senão o que se apresentasse tão clara e tão distintamente ao nosso espírito que não tivéssemos nenhuma ocasião para o pôr em dúvida."


Ao contrário dos gregos antigos e dos escolásticos, que acreditavam que as coisas existem simplesmente porque precisam existir, ou porque assim deve ser, etc, Descartes institui a dúvidametódica como instrumento epistemológico e ontológico decisivo: só se pode dizer que existe com verdade aquilo que pode ser conhecido com evidência.

Descartes consegue, assim, provar a existência do eu pensante (que na tarefa de duvidar não pode deixar de ter a certeza que existe pois essa mesma dúvida obriga-o a existir para pensar/duvidar: o célebre "cogito ergo sum" - penso, logo existo).

Descartes acreditava que da "verdade" penso, logo existo verdade ninguém poderia duvidar, uma vez que se pautava pelo raciocínio matemático, o qual está baseado, principalmente, na lógica dedutiva, em que nós partimos de uma verdade para encontrarmos outras verdades, ou seja, que uma verdade é conseqüência da outra.

Prova também a existência de Deus mostrando que a dúvida que sustenta sobre a possibilidade de ele ser um ente maligno é inconsequente porque Deus, para o ser, é algo de sumamente bom, e a bondade não pode conter o erro e o engano.

Desta forma, o ceticismo cartesiano tem como objetivo obter certezas seguras, isto é, formar uma certa dogmática que assegure a possibilidade de um conhecimento universal.

Também consiste o método na realização de quatro tarefas básicas:

  • verificar se existem evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada;
  • analisar: ou seja, dividir ao máximo as coisas, em suas unidades de composição, fundamentais, e estudar essas coisas mais simples que aparecem;
  • sintetizar, ou seja, agrupar novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro;
  • enumerar todas as conclusões e princípios utilizados, a fim de manter a ordem do pensamento.

Sua obra mais famosa chama-se “discurso sobre o método” (1636).

O Discurso está dividido em seis partes, e possui uma breve introdução. Nesta, Descartes já enfatiza a divisão do livro e explica o que o leitor encontrará em cada uma das seis partes:











  • na primeira, diversas considerações sobre a ciência;
  • na segunda, as principais regras sugeridas por ele para a prática científica;
  • na terceira, algumas das justificativas do método;
  • na quarta, as provas da existência de Deus e da alma humana, fundamentos da metafísica;
  • na quinta, Descartes faz algumas aplicações do método a questões físicas e relativas à medicina; também as particularidades da alma humana;
  • na sexta, as razões que o levaram a escrever o tratado e aquilo que Descartes acredita ser essencial para o progresso do conhecimento.

No Discurso, Descartes procura nos convencer que o raciocínio matemático deveria servir de modelo para o pensamento filosófico e para todas as ciências, onde expõe as regras para um conhecimento verdadeiro:

  • Receber escrupulosamente as informações, examinando sua racionalidade e sua justificação. Verificar a verdade, a boa procedência daquilo que se investiga – aceitar o que seja indubitável, apenas. Esse passo relaciona-se muito ao ceticismo;
  • Análise, ou divisão do assunto em tantas partes quanto possível e necessário;
  • Síntese, ou elaboração progressiva de conclusões abrangentes e ordenadas a partir de objetos mais simples e fáceis até os mais complexos e difíceis;
  • Enumerar e revisar minuciosamente as conclusões, garantindo que nada seja omitido e que a coerência geral exista.

Estas operações reconstituiriam as três operações elementares da mente humana, a indução (que consiste em captar realidades mínimas), a dedução (agrupar observações e inferir resultados) e a enumeração (acompanhada da revisão e reelaboração de conceitos).

Em relação à ciência, Descartes desenvolveu uma filosofia que influenciou muitos, até ser passada pela metodologia de Newton. Ele mantinha, por exemplo, que o universo era pleno e não poderia haver vácuo.

Descartes acreditava que a matéria não possuía qualidades inerentes, mas era simplesmente o material bruto que ocupava o espaço. Ele dividia a realidade em res cogitans (consciência e mente) e res extensa (matéria).

Acreditava também que Deus criou o universo como um perfeito mecanismo de moção vertical e que funcionava deterministicamente sem intervenção desde então.







Como matemático, Descartes demonstrou como a matemática poderia ser utilizada para descrever as formas e as medidas dos corpos.




QUARTA PARTE DO DISCURSO - DA EXISTÊNCIA DE DEUS

O assunto que nos deteremos, diz reapeito a quarta parte do Discurso Descartes realiza a prova ontológica, ou seja, a prova da existência do ser e também a prova da existência de Deus. Aplicando o método a si mesmo, Descartes confronta o próprio raciocínio. Ele argumenta que, embora a mente possa tanto raciocinar sobre coisas reais quanto sobre coisas de sonhos, enquanto acordado ou dormindo respectivamente, ele não pode, ao refletir sobre a veracidade desses pensamentos, negar que esteja pensando; e como sujeito pensante, conclui que é seguro supor a própria existência.

Consoante, qualquer esforço para duvidar de sua própria existência era uma ocorrência de pensamento, e essa ocorrência exigia um sujeito pensante, ainda que mínimo. Eis portanto a prova da existência de mim mesmo.

É preciso notar ainda que não é qualquer ato do eu que determina a existência. Um andar não provaria essa existência, uma vez que andar pode trazer a dúvida da existência das próprias pernas.

Somente um pensamento (seja ela uma dúvida, um desejo, uma afirmação, uma sensação ou similares) é indubitável e portanto adequa-se ao Método. Somente o pensamento, quando percebido, garante a existência do eu.


A existência de Deus é provada porque, existindo a razão e o pensamento, é preciso haver um fiador dessa razão e desse pensamento, algo que lhe dê coerência. Pela razão, existe Deus. Trata-se da retomada do pensamento de Aristóteles do noesis noeseos (pensamento do pensamento), ou o "motor imóvel". Além disso, Descartes demonstra que as idéias de perfeito, infinito e similares, são tão transcendentes a ele, ser imperfeito e finito, que é preciso haver algo de onde essa idéia venha, que não o próprio ser pensante.

As provas de Descartes são dadas abaixo:

para entendê-las e ter-se subsídios a fim de se argumentar contra elas, consultar o guia das falácias:

aqui


1ª Prova a priori pela simples consideração da idéia de ser perfeito.

“Dado que no nosso conceito de Deus está contida a existência, é corretamente que se conclui que Deus existe.

Considerando, portanto, entre as diversas idéias que uma é a do ente sumamente inteligente, sumamente potente e sumamente perfeito, a qual é, de longe, a principal de todas, reconhecemos nela a existência, não apenas como possível e contingente, como acontece nas ideias de todas as outras coisas que percepcionamos distintamente, mas como totalmente necessária e eterna.

E, da mesma forma que, por exemplo, percebemos que na idéia de triângulo está necessariamente contido que os seus três ângulos iguais são iguais a dois ângulos retos, assim, pela simples percepção de que a existência necessária e eterna está contida na idéia do ser sumamente perfeito, devemos concluir sem ambigüidade que o ente sumamente perfeito existe”.

A prova é magistralmente simples. Ela consiste em mostrar que, porque existe em nós a simples idéia de um ser perfeito e infinito, daí resulta que esse ser necessariamente tem que existir.

O raciocínio parte de uma premissa improvável segundo o proprio método de Descartes (no conceito de Deus se inclui a existência). Sendo assim, a conclusão de que Deus existe não poderá ser absoluta, uma vez que a premissa que a balisou é improvável.

A simples percepção de algo não leva a se considerar que esse algo exista, uma vez que, segundo o método há que se ter evidências reais e indubitáveis, e não meras percepções (verificar).

No restante do método (analisar, sintetizar e enumerar), Descartes não peca.


2ª Prova a posteriori pela causalidade das idéias.

Descartes conclui que Deus existe pelo fato de a Sua idéia existir em nós.

Uma das passagens onde ele exprime melhor essa idéia é esta: “Assim, dado que temos em nós a idéia de Deus ou do ser supremo, com razão podemos examinar a causa por que a temos; e encontraremos nela tanta imensidade que por isso nos certificamos absolutamente de que ela só pode ter sido posta em nós por um ser em que exista efectivamente a plenitude de todas as perfeições, ou seja, por um Deus realmente existente.

Com efeito, pela luz natural é evidente não só que do nada nada se faz, mas também que não se produz o que é mais perfeito pelo que é menos perfeito, como causa eficiente e total; e, ainda, que não pode haver em nós a idéia ou imagem de alguma coisa da qual não exista algures, seja em nós, seja fora de nós, algum arquétipo que contenha a coisa e todas as suas perfeições.

E porque de modo nenhum encontramos em nós aquelas supremas perfeições cuja idéia possuímos, disso concluímos corretamente que elas existem, ou certamente existiram alguma vez, em algum ser diferente de nós, a saber, em Deus; do que se segue com total evidência que elas ainda existem”

A prova consiste agora em mostrar que, porque possuímos a idéia de Deus como ser perfeitíssimo, somos levados a concluir que esse ser efetivamente existe como causa da nossa idéia da sua perfeição. De fato, como poderíamos ter a idéia de perfeição, se somos seres imperfeitos? Como poderia o menos perfeito ser causa do mais perfeito?

Desse modo, conclui, já que nenhum homem possui tais perfeições, deve existir algum ser perfeito que é a causa dessa nossa idéia de perfeição. Esse ser é Deus.

O fato do ser humano possuir a idéia de Deus, não significa que tal idéia foi colocada na mente humana por esse Deus.

Descartes parte da premissa de que os homens possuem a idéia de Deus (premissa verdadeira), porém, a causa dessa idéia, ao atribuí-la a Deus, se trata da falácia da afirmação da conseqüente (confusão entre condição suficiente e condição necessária).

A idéia de Deus estar presente na mente humana não é condição necessária nem suficiente para que Deus exista.

Caso se admita a existência de Deus, então apenas a idéia de sua existência será verdadeira.

Assim, a existência de Deus não é condição suficiente nem necessária para a existência de sua idéia.

Há muitas coisas que existem e não temos idéia que elas existem, pois sequer sabemos o que são estas coisas. Por exemplo, no ano 1000 d.C. não se sabia, na Europa, que a Oceania ou a Antártica existiam.

Porém, a idéia de Deus é necessária para a sua existência na mente humana, ou seja, para entendermos o que é Deus e o que se trata ou não de uma manifestação de Dele, ao menos devemos ter sua idéia em mente.

Todavia, a existência da idéia de Deus não é condição necessária nem suficiente para que Deus exista fora de nossa mente atuando no mundo real, pois em nossa mente há muitas idéias de coisas que não existem no mundo físico (grifos, sereias, gnomos, etc.).

Resumindo, se possuímos a idéia de algo (imaginação), não significa que esse algo exista e atue no mundo físico. Nem tão pouco significa que esse algo tenha colocado a idéia de sua existência em nossa mente.

Também, algo que sequer nossa mente consegue conceber, não é garantia de que não exista e atue no mundo real (o físico).

Desse modo, resta inválido o argumento.

Os demais pontos em que Descartes faz as considerações sobre a perfeição e sobre se a idéia existe em nós é porque certamente a coisa existe, se encerra na falácia da afirmação da conseqüente.


3ª Prova a posteriori baseada na contingência do espírito.

“Se tivesse poder para me conservar a mim mesmo, tanto mais poder teria para me dar as perfeições que me faltam; pois elas são apenas atributos da substância, e eu sou substância. Mas não tenho poder para dar a mim mesmo estas perfeições; se o tivesse, já as possuiria.

Por conseguinte, não tenho poder para me conservar a mim mesmo. Assim, não posso existir, a não ser que seja conservado enquanto existo, seja por mim próprio, se tivesse poder para tal, seja por outro que o possui.

Ora, eu existo, e contudo não possuo poder para me conservar a mim próprio, como já foi provado. Logo, sou conservado por outro. Além disso, aquele pelo qual sou conservado possui formal e eminentemente tudo aquilo que em mim existe. Mas em mim existe a percepção de muitas perfeições que me faltam, ao mesmo tempo que tenho a percepção da idéia de Deus.

Logo, também nele, que me conserva, existe percepção das mesmas perfeições. Assim, ele próprio não pode ter percepção de algumas perfeições que lhe faltem, ou que não possua formal ou eminentemente. Como, porém, tem o poder para me conservar, como foi dito, muito mais poder terá para as dar a si mesmo, se lhe faltassem.

Tem pois a percepção de todas aquelas que me faltam e que concebo poderem só existir em Deus, como foi provado. Portanto, possui-as formal e eminentemente, e assim é Deus”.

Descartes demonstra agora a existência de Deus a partir do fato de que não nos podemos conservar a nós próprios. Se não podemos garantir a nossa existência, mas apesar disso existimos, é porque alguém nos pode garantir essa existência.

A premissa está correta (não tenho poder para dar a mim mesmo perfeições, aliás o que Descartes concebia como perfeições?).

Logo, homem não pode se conservar por si, também, a primeira conclusão é correta uma vez que nao temos o domínio sobre quanto tempo nos conservaremos e sobre o que se passará conosco.

A segunda conclusão, a de que existimos, é clara. Contudo concluir que a causa de existimos é porque um ser superior (outro) nos conserva, mais uma vez encontramos falácia da afirmação da conseqüente.

Aqui a conclusão não segue a coerência do raciocínio, uma vez se trata de uma conclusão impossível de ser validada, pois não há como se saber a respeito da veracidade da existência desse "outro"(premissa inconteste de que Deus existe).

Também, as considerações ora tecidas contrariam o método em sua partida: a verificação das premissas e sua veracidade inconteste.


ANÁLISE DA ARGUMENTAÇÃO CARTESIANA SOBRE AS PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS

Alguns dizem (um tanto implausivelmente) que Descartes incluiu a prova da existência de Deus apenas para satisfazer os censores do período. Os seguidores de Descartes logo perceberam que a dúvida metódica também poderia aplicar-se a Deus; de fato, a prova da existência de Deus é uma das partes mais fracas da argumentação de Descartes.

Nas Meditações Descartes também argumentará a existência de Deus através da suposição de que o pensamento de Deus contém também sua existência; o pensamento que contém o próprio pensado.

Todavia, essas argumentações contradizem o metodo criado pelo próprio Descartes, uma vez que falham na verificação da veracidade das premissas e concluem com base em concepções pessoais relacionadas à crença da qual Descartes era adepto.

Há que se considerar também que o raciocínio empregado é falacioso e foge a lógica formal a qual impregna o "Método", a fim de que as premissas sejam validadas.

Se valer do "Método" a fim de se provar a existência de Deus é um equívoco, pois De Acordo com Aristóteles, há dois tipos de conhecimento:

  • As verdades imutáveis da natureza (theoria):
São aquelas que se tratam do domínio da ciência, como por exemplo as leis naturais que regulam o clima, o nascimento e morte dos seres, o movimento dos planetas, a evolução dos seres vivos, as transformações por que o planeta passa, o que ocorre em reações químicas, etc.

Obviamente, com o desenvolvimento científico, tais leis não se tratam mais de algo imutável, uma vez que estão abertas à pesquisa e conseqüentemente a contestação de seus resultados conforme dispõe o método de Popper (as proposições universais não podem ser comprovadas em sentido positivo, isto é, não há como se provar com certeza que elas são verdadeiras. Todavia, a experiência pode nos dar a certeza de que são falsas.

Desse modo, há a impossibilidade de chegarmos a verdade absoluta pela experiência, o que nos leva a recorrer à falsidade absoluta. Assim, uma verdade é provisória e se mantém verdadeira até que se prove o contrário. Portanto, a melhor teoria é aquela que não se comprova como sendo falsa, ou seja, quanto mais resistir a falseabilidade, mais próxima estará da verdade.

Em sendo assim, tanto os enunciados metafísicos, como as teorias científicas não podem ser comprovados pela experiência sensível (contato com os sentidos humanos).

Contudo a experiência somente fornece ao cientista proposicões particulares, as quais pelo método de indução se transformam em teorias universais fundadas em fatos concretos.

Mas, de acordo com o acima exposto, esse método é falho, pois sempre haverá a possibilidade de haver um fato que contrarie a universalidade.

Desse modo, Popper desmonta a tese de imutabilidade das leis naturais proposta por Aristóteles.

Logo, não há que se considerar que a experiência científica seja a mais consistente comprovação da verdade; ela garante que podemos chegar a mais consistente comprovação da falsidade. Indubitavelmente, isso qderruba a tese alegada por religiosos de que a ciência se pauta por dogmas (verdades imutáveis e inquestionáveis).

As teses científicas, no que concerne a sua validade, envolvem questão probabilística, pois à medida que uma teoria se sustenta ao longo do tempo, ela se aproxima mais e mais da verdade, ou seja, sua probabilidade de ser falsa reduzirá (sem contudo se tornar nula) a cada teste de falseabilidade que ela vencer.

Aqui o método cartesiano se enquadra perfeitamente, no que concerne à busca e à validação das premissas a serem adotadas a fim de se confirmar ou se desconfirmar sua veracidade.

Entretanto, raciocínios metafísicos são facilmente falseáveis, uma vez que falham nas evidências das premissas, conforme veremos abaixo.

  • As verdades contingentes (phronesis)
Neste ponto, analisam-se as verdades sob o domínio da retórica, tais como crenças e valores que definem justo, e o injusto, o bem e o mau, o feio e o bonito, o útil e o inútil, de acordo com os interesses de cada povo.

O conhecimento dessas verdades, possibilitado pela retórica ajuda a conseguir consenso sobre assuntos controvertidos e a tomar decisões sobre a vida em sociedade.

Assim, de acordo com Aristóteles, a verdade só é possível de ser conhecida em diferentes graus e a retórica se faz útil justamente porque faz prevalescer um desses graus da verdade no que concerne a assuntos que não possuem unanimidade de opinião.

A retórica, sob enfoque dialético, se ocupa não do verdadeiro, mas do verossímil, ou seja, do que é provável, passível de ser verdadeiro, aceitável como verdade.

Logo, a retórica está relacionada com a persuasão, enquanto capacidade de aceitação de um argumento, sustentado por idéias apresentadas como prova de sua validade, bem como por razões pelas quais há que se aceitá-las.

A argumentação retórica se divide em três formas de discurso:

- discurso judiciário ou forense: usado para defender ou acusar; e.g. discurso usado pelo promotor e pelo advogado, editoriais de jornais, sermões religiosos, manifestos e denúncias ou defesa de pessoas ou fatos.

- discurso deliberativo ou político: aconselha ou desaconcelha determinadas escolhas e decisões; e.g. documentos técnicos, discurso de aprovações de projetos de lei.

- discurso demonstrativo ou cerimonial: utilizado para censurar ou elogiar; e.g. honra a um morto, solenidades emotivas, comemorações religiosas ou empresariais a fim de se reafirmar a coesão de um grupo.

- discurso misto: onde essas três formas podem estar presentes numa mesma argumentação.

O discurso a respeito das provas da existência de Deus parece se enquadrar na categoria "discurso misto", pois apenas defende-se a premissa de que Deus existe, sem haver apresentação a respeito de qualquer fato que induza a sua existência (indução).

Mas, de acordo com Popper, a indução é falha, uma vez que, no caso acima, caso haja algum fato que demonstre a existência de Deus, derrubará a tese de que Ele não existe.

Todavia, até então, no que concerne ao mundo natural, sem se considerarem os aspectos subjetivos envolvido nas crenças religiosas, nada demonstrou que este ser de fato exista, como nada demonstrou que ele não exista, mas sua probabilidade de existir, se torna baixa (sem contudo se tornar nula), à medida que as pesquisas científicas avançam e o distanciam cada vez mais da realidade em que vivemos (ex. causas das doenças, registro fóssil propondo que ocorreu uma evolução dos seres, ausência de marcas e impossibilidade de um dilúvlio mundial, radiação de fundo do universo, formação e morte de estrelas).

Desse modo, ao se partir de uma premissa sem que esta seja manifestamente embasada por fatos e observações reais, sendo obrigatória sua aceitação a fim de que o raciocínio possa ser desenvolvido, nos encontramos na seara do dogma.

Nesse ponto, o método cartesiano é falho, pois não atesta a veracidade das premissas de forma concreta (as estabelece dogmaticamente), além de se valer apenas da argumentação retórica a fim de sustentá-las, postura esta contrária ao discurso do método.


CONCLUSÃO

Desse modo, de acordo com a argumentação retórica utilizada por Descartes ao formular as provas da existência de Deus, pode se concluir que, tais provas não provam absolutamente nada.

As premissas usadas na argumentação proposta por Descartes não se sustentam conforme propõe o seu método (existência de evidências reais e indubitáveis acerca do fenômeno ou coisa estudada), mas apenas na argumentação retórica, uma vez que se trata de uma verdade contingente (a crença religiosa de Descartes, cujo cunho é altamente subjetivo - experiência sensível) e não de uma verdade natural (fato observado na natureza - o que é palpável e passível de ser falseado).


BIBLIOGRAFIA

ABUD, Luiz Nelson Macedo. Prova em Contrário. Revista Discutindo Filosofia, ano 2 n. 11 Ed. Escala.

ALVES, Alaor Caffé. Lógica Pensamento Formal e Argumentação. Ed. Quartier Latin.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática.

DESCARTES, René. Discurso Sobre o Método. Coleção Os Pensadores, Ed. Abril

HALLIDAY, Tereza Lúcia. O que é Retórica. Ed. Brasiliense.

PERELMAN, Chaïm & TYTECA, Lucie Olbrechts. Tratado da Argumentação - A Nova retórica. Ed. Martins Fontes.