domingo, 24 de abril de 2011

Quando os fundamentalistas erram

Introdução:

 

O artigo Quando os seres humanos tremem”, publicado no OI, em 29/3/2011, escrito por Michelson Borges (aqui) muito me intrigou. Nosso articulista se pauta pela bíblia e suas pseudo-profecias a fim de justificar as catástrofes naturais como terremotos. 

É uma postura egoísta e mesquinha querer que tudo se acabe a fim de salvar a própria pele e danem-se os demais e pior: não fazer nada para evitar as desgraças e tampouco fazer depois que elas ocorrem, tudo em prol de um proselitismo barato.

É algo digno de desprezo a idéia de atribuir desgraças naturais à crença que cada um professa. Isso é um grave erro, além de ser uma postura preconceituosa e excludente que deve ser combatida, uma vez que leva a falsas idéias.

O caso se trata da mais pura questão ideológica, uma vez que nada fundamenta este ideário, senão os preconceitos e a ignorância, oriundos de grupos fundamentalistas, cujo desejo é anular as pessoas por meio da uniformidade de pensamento, sem qualquer senso crítico ou discernimento, transformando tudo na idéia de castigo divino, como ocorria durante os tempos da Idade Média. 

Para entendermos o que significam as profecias aventadas pelo articulista, temos de conhecer um pouco acerca dos povos e crenças religiosas do passado e sua influência na cultura religiosa hebraica.


As religiões antigas e o sincretismo com as crenças hebraicas:

A religião hebraica, antes de seu contato com as crenças persas, já era um produto de sincretismo entre crenças xamanísticas de povos nômades da Mesopotâmia, crenças cananéias, religião egipcia, religião sumério-acadiano-caldeias e babilônicas.

A Mesopotâmia foi uma região por onde passavam muitos povos nômades oriundos de diversas regiões. A terra fértil fez com que alguns desses povos aí se estabelecessem. Do convívio entre muitas dessas culturas floresceram as sociedades mesopotâmicas. 

Os povos que ocuparam a região da Mesopotâmia e adjacências foram os sumérios, os acádios, cananeus, os amoritas ou antigos babilônios, os assírios, os elamitas, os caldeus ou novos babilônios e os hebreus.

A religião cananéia (cananeus eram os habitantes de Canaã, onde hoje se localiza a Palestina) era identificada com a natureza e tinha como objetivo ensinar aos homens a cooperarem e controlarem o ciclo das estações. Os cananeus tinham como prática religiosa comum o sacrifício de crianças aos deuses.

É neste ponto que os antigos hebreus, oriundos da cidade de Ur têm problema com os cananeus. O sacrifício de Isaac tem como simbolismo a idéia de que a partir de agora, não mais sacrificamos crianças aos deuses, que significa um rompimento com as crenças cananéias e mesmo caldeias até certo ponto. 

Para os israelitas ordem era destruir os cananeus. Todavia, segundo o arqueólogo Israel Finkelstein, a ocupação de Canaã foi tranqüila e pacífica, uma vez que, de acordo com suas pesquisas, não há sinais de guerras entre estes povos, mas de assimilação cultural e integração entre ambos.


 

A mais antiga referência histórica do antigo Israel ocorre na estela de Merneptah, um monumento egípcio datado de 1208 a.C. Mas a menção sobre o deus de Israel, Javé, ocorre ainda mais cedo em inscrições egípcias em conjunto com um grupo denominado povo Shasu (aqui).

Entre os antigos egípcios, durante o Reino Novo Período (1550-1070 aC), o termo Shasu ocorre com bastante frequência na denominação para os povos estrangeiros. O termo significa nômades ou povos beduínos, referindo-se principalmente para os povos nômades da Síria-Palestina.

Há duas referências hieroglíficas em textos do Novo Reino Período para uma área chamada de "a terra dos Shasu do de Yahweh." Exceto para o Antigo Testamento, estas são as referências mais antigas encontradas em todos os textos antigos para o deus Yahweh.

Emuito provável que os egípcios do Reino Novo Período tenham classificado todos os antigos edomitas, amonitas, moabitas, amalequitas, midianitas, queneus, hapiru e israelitas como Shasu.

A partir do Antigo Testamento sabe-se que havia outros adoradores de YHWH na terra de Canaã que não partiram para o Egito e, portanto, não poderiam ter deixado o Egito na época do Êxodo.

A ligação proposta entre os israelitas e os Shasu pode, no entanto, ser posta a dúvida pelo fato de nos relevos de Merneptah, o grupo mais tarde conhecido como os israelitas não ser descritos ou representado como Shasu.

Alguns estudiosos, como Frank J. Yurco e G. Michael Hasel identificar o Shasu em relevos de Merneptah Karnak como uma entidade separada de Israel desde que eles usam roupas diferentes, os penteados, e são determinadas de forma diferente como relatado por escribas egípcios.
 
Na Mesopotâmia, os deuses representavam o bem e o mal, tanto que adotavam castigos contra quem não cumpria com as obrigações. 

O centro da civilização sumeriana era o templo, a casa dos deuses que governava a cidade, além de centro da acumulação de riqueza. Ao redor do templo desenvolvia-se a atividade comercial. 

Apenas ao sacerdote era permitida a entrada no templo e dele era a total responsabilidade de cuidar da adoração aos deuses e fazer com que atendessem as necessidades da comunidade.

Segundo a tradição suméria, os deuses criaram o ser humano a partir do barro com o propósito de serem servidos por suas novas criaturas. Quando estavam zangados ou frustrados, os deuses expressavam seus sentimentos através de terremotos ou catástrofes naturais: a essência primordial da religião suméria baseava-se, portanto, na crença de que toda a humanidade estava à mercê dos deuses.

Os sumérios acreditavam que o universo consistia num disco plano fechado por uma cúpula de latão. Já a vida após a morte envolvia uma descida ao vil submundo, onde se passava a eternidade numa existência deplorável, em uma espécie de inferno.


A Epopeia de Gilgamesh ou Épico de Gilgamesh é um antigo poema épico da Mesopotâmia. Esta epopéia contém a mais antiga referência conhecida ao dilúvio, que é recorrente em várias culturas e que está presente na Bíblia.

 Na tradição suméria, o homem foi dizimado por incomodar aos deuses. Segundo este mito, o deus Ea, por meio de um sonho, apareceu a Utanapistim e lhe revelou as pretensões dos deuses de exterminar os humanos através de um dilúvio. Ea pede a Utanapistim que renuncie aos bens materiais e conserve o coração puro. Utanapistim, então, reúne sua família e constrói a embarcação que lhe foi ordenada por Ea, estes ficam por sete dias debaixo do dilúvio que consome com os humanos.

 

Na crença egípcia, algo que chama muito a atenção é o Livro dos Mortos do antigo Egito, cujo nome real é "Saída para a Luz do Dia". Este livro é uma coletânea de feitiços, fórmulas mágicas, orações, hinos e litanias do Antigo Egito, escritos em rolos de papiro e colocados nos túmulos junto das múmias. O objetivo destes textos era ajudar o morto em sua viagem para o outro mundo, afastando eventuais perigos que este poderia encontrar na viagem para o Além.

No Egito, desde 4.400 a. C, o egípcio esperava comer, beber, e levar uma vida regalada na região em que supunha estar o céu e ali partilharia para sempre, em companhia dos deuses, de todos os gozos celestiais. Por volta de 3.800 a.C, todos os textos religiosos supõem a imunização do corpo pela técnica de mumificação.

A religião egípcia elabora um conceito complexo, para entender/explicar a natureza do homem que, por ela, é composto de 8 partes: O corpo físico-CAT duplo do homem o CA a alma BA o coração AB o espírito do homem, KU a força SEQUEM sombra CAIBIT o nome do indivíduo REN que se eliminado o destruiria De acordo com o Livro dos Mortos, o falecido venceria todos os obstáculos e se converteria em Espírito Santificado, após cruzar os 21 pilares, passar pelas 15 entradas, e cruzar 7 salas até chegar frente a Osíris e aos 42 juizes que iriam julgá-lo. 

O livro traz o conhecimento para a salvação e a condução à morada dos deuses após transpor as Portas da Morte, onde, no Campo de Paz, gozará os prazeres da Vida Eterna entre os deuses. Sua função seria auxiliar a alma a se refazer do susto da morte quando tenta voltar ao corpo. Porém, os deuses, encarregados de guiá-la, arrastam-na para longe do ataúde. Ante cada um dos deuses, o falecido o interpela pelo nome e declara não ter cometido determinado pecado é a "Confissão Negativa" do papiro de ANY ou de NU, muito semelhantes ao conteúdo dos 10 Mandamentos.

O papiro de NU permite observar que o código moral egípcio era muito abrangente, pois o falecido afirma que não lançou maldições contra os deuses, nem desprezou o deus da cidade, nem maldisse o faraó, nem praticou roubo de espécie alguma, nem matou, nem praticou adultério, nem sodomia, nem crime contra o deus da geração, não foi imperioso ou soberbo, nem violento, nem colérico, nem precipitado, nem hipócrita, nem subserviente, nem blasfemador, nem astuto, nem avaro, nem fraudulento, nem surdo a palavras piedosas, nem praticou más ações, nem foi orgulhoso, não aterrorizou homem algum, não enganou ninguém na praça do mercado, não poluiu a água corrente pública, não assolou a terra cultivada da comunidade. 

Dessa forma, muito dos elementos dessas crenças estão fortemente inseridos no judaísmo, principalmente no que se refere à ritualística e à lei.


O que realmente significam as profecias:

De início, temos de entender que a questão das “profecias” não se trata de profecias propriamente ditas, mas de um discurso dirigido a pessoas de sua época acerca de fatos de sua época ou de épocas passadas. 

Os exemplos mais emblemáticos são o Livro de Daniel e o Livro de Isaías, no Velho Testamento e o Livro do Apocalipse no Novo Testamento. Vejamos do que se trata a Literatura Apocaliptica.

Esta forma de literatura surgiu por volta do séculos II a.C. (concluído, em sua forma atual, em 164 a.C.), contra o rei Antioco IV, o qual queria pela força que judeus adotassem a cultura grega.

De acordo com Mircea Eliade, os acontecimentos históricos e contemporâneos são transfigurados, cheios de mensagens cifradas, integradas numa visão específica da história universal. É entre os "piedosos" (hassidim) que aparecem os primeiros escritos apocalípticos: Daniel e a primeira parte do Livro de Enoch.

Os piedosos consistiam em uma comunidade bem fechada. Insistiam no respeito absoluto à lei e na urgência do arrependimento, cuja enorme importância a este tema era consequência de uma concepção apocalíptica da história, sendo que seu terror alcançara proporções até então desconhecidas.

Assim, Daniel e Enoch prediziam que o  mundo se aproxima do fim, sendo que os piedosos devem preparar-se para o juízo iminente de Deus.

O livro de Daniel preconiza o triunfo de Israel que desempenha papel central no plano de Deus. Esse triunfo é a salvação, desde sempre determinada por deus e inscrita no plano da história, não obstante os pecados de seu povo escolhido.

Nos livros de Daniel e Enoch, o mal não é engendrado por um inimgo de deus, mas pela desobediência dos homens em relação às leis. O inimigo nasce em Jó e Zacarias, onde surgem as primeiras referências a Satanás desenvolvida a partir do dualismo maniqueísta iraniano (conflito entre Ahura Mazda - o bem e Arimã - o mal).

No livro de Enoch aparece o abismo de fogo onde apóstatas e anjos caídos são lançados e em Esdras surge a fornalha de Gehenah onde os pecadores são jogados e quanto aos virtuosos vão para o paraíso das delícias. Após o juízo, o mal é eliminado para sempree por toda parte se imporá a verdade.

A concepção do juízo pelo fogo é iraniana (o fogo sacrificial dos gathas) que traz sabedoria e iluminação interior. tanto no Irão como na India dos Brâmanes era cultivada, por uma elite religiosa, essa técnica sacrificatória e a gnose escatológica, sendo considerada uma tradição esotérica.

No livro de Daniel aparece a descida do filho do Homem a partir do céu. Daniel simboliza o povo de Israel no momento do triunfo escatológico, sendo o título de Filho do Homem, atribuído a jesus por ele mesmo.

O filho do Homem é uma figura mitológica grega, anthropos ou o homem primordial. Embora o mito seja de origem indo-iraniana, os precdecessores imediatos do filho do Homem devem ser procurados no sincretismo iraniano-caldeu, que somente surgiu no judaísmo tardio, onde se fala de um Adão preexistente à criação.

Quanto ao cativeiro da Babilônia, este foi por volta do sec. VII ou VI a.C., quando o rei era Nabucodonosor, à época em que o suposto Daniel teria vivido.
Uma das maiores impropriedades desse livro é dizer que o rei Dario era medo em vez de persa e de haver muitas transcrições em grego no livro, sendo que o gênero literário e forma de escrever, o remete realmente ao sec. II a.C..

Durante o Cativeiro da Babilônia, ocorreu o sincretismo ainda mais marcante entre as religiões babilônica e hebraica, mais tarde sofrendo influências da religião persa, uma vez que estes foram os libertadores do povo hebreu. 

A idéia de messias e o apocaliptismo:

A religião persa se denominava Zoroastrismo e cujo seu expoente foi Zaratustra. Este acreditava no fim do mundo. Considerava ter recebido de Ahura Mazda (o deus supremo) a missão de convocar a humanidade para a batalha final contra o mal e que no futuro um homem (saoshyant – no total três) viria para salvar o mundo.

Durante o período aqueménida esta ideia ampliou-se no sentido da crença em três Saoshyants. Cada um deles nascerá de uma semente do profeta Zaratustra, deposta no lago Kasaoya. Uma virgem chamada Eredat-Fedhri tomará banho neste lago, ficará grávida e dará à luz o salvador.

Cada um dos Saoshyants surge num período em que as pessoas começaram a esquecer a mensagem de Zaratustra (a "Boa Religião"). O primeiro, chamado Ukhshyat-ereta, surgirá mil anos após Zaratustra, sendo responsável pela renovação da mensagem do profeta; mil anos depois aparecerá o seu irmão, Ukhshyat-nemah, e por último o mais importante de todos, Astvat-erat, que dará início ao fim do mundo.

Apesar da sua concepção miraculosa, o salvador é completamente humano, o que se enquadra nas concepções religiosas do Zoroastrismo, segundo as quais o homem desempenha um importante papel no combate ao mal.

Ideia semelhante ocorre na concepção judaica, o ungido não se trata de um ser sobrenatural, mas de um libertador humano, filho de pais humanos, mas com estrito relacionamento com Deus.
Ciro foi quem libertou os judeus da Babilônia e, portanto, para os povos da antiguidade, ele representou um messias (era humano, deste mundo e foi um libertador).

P. D. Hanson, entretanto, recusa a hipótese de uma influência iraniana imediata - e diz que o método de comparação direta entre a profecia e a apocalíptica fatalmente leva à conclusão de descontinuidade entre um pensamento do século sétimo e outro do século segundo. Segundo Hanson, as raízes da apocalíptica podem ser claramente detectadas no pensamento profético, havendo, é claro, uma evolução na sua forma.

Em suas palavras:

"As origens da apocalíptica não podem ser explicadas por um método que justapõe textos do sétimo e do segundo séculos e, em seguida, procura as características dos últimos na relação com seu contexto imediato. A literatura apocalíptica do século segundo e posteriores é o resultado de um longo desenvolvimento que começa no pré-exílio, e não um recém-nascido filho de pais estrangeiros do século segundo. Não somente suas origens, mas também a própria natureza das obras apocalípticas mais recentes só podem ser compreendidas através da reconstrução de seu longo desenvolvimento através dos séculos, no qual a escatologia apocalíptica nasce da profecia e até mesmo de outras raízes mais arcaicas".

O livro de Daniel:

Quanto às "visões" de Daniel, elas se tratam apenas de uma forma de dar ânimo ao povo para não esmorecer diante do longuíssimo período de invasões que Israel provou.

O contexto destas "profecias" é meramente político, se feita uma análise histórica do período em que, o suposto Daniel vivera. Fala apenas do possível triunfo dos israelitas em um tempo que não se sabe quando.

É a partir do século II a.C., no momento das grandes crises nacionais, quando Israel, agredido por outros povos, corre o risco de desaparecer como nação, que a literatura apocalíptica se desenvolve, em três fases:


    a época da guerra dos Macabeus contra Antíoco IV Epífanes e o partido helenizante, no séc. II a.C;
  a partir do domínio romano, que se inicia com Pompeu em 63 a.C. 
              durante as guerras judaicas contra os romanos em 66-73 d.C. e 131-135 d.C.

Portanto, a literatura apocalíptica nada mais é que  uma literatura de resistência, direcionada aos israelitas, de modo a superarem as adversidade enfrentadas.

Ao que parece, a mais antiga obra da apocalíptica judaica, segundo SCHÖKEL, L. A./SICRE DIAZ, J. L. é o livro de Daniel é uma peça literária de resistência escrita na época da luta dos Macabeus contra a helenização no século II a.C.

Segundo DEL OLMO LETE, G., Daniel não é o autor do livro. Estamos frente a um texto apocalíptico, escrito em 164 a.C., cujo autor se esconde por trás de um pseudônimo. Daniel talvez jamais tenha existido, embora haja pistas de um certo Danel em Ez 14,14.20;28,3 e um Dnil que aparece no poema de Aqhat encontrado em Ugarit, e que podem ter inspirado o legendário personagem bíblico.

No capítulo 1 o texto conta como, após a deportação dos judeus de Jerusalém para a Babilônia, alguns jovens judeus de famílias nobres são escolhidos e educados durante três anos para, em seguida, servirem ao rei. Porém, a descrição do período babilônico feita pelo livro é imprecisa e seu conhecimento das cortes babilônica e persa superficiais.

Quanto às imprecisões do livro, podem ser citadas:

Não houve, como o livro afirma, uma deportação em 605 a.C.;
Baltasar é filho de Nabônides e não de Nabucodonosor; 
Dario, que é persa e não medo, é um dos sucessores de Ciro e não seu predecessor;
A doutrina sobre os anjos, o costume de evitar o nome de Iahweh e outros elementos não são do tempo do exílio, mas bem posteriores.

Dessa forma, a finalidade do livro é meramente literária sem qualquer intuição de ser histórica. É um escrito da resistência judaica, quando do período da perseguição selêucida. 

Em Daniel a intenção é demonstrar que, apesar de tudo, é preciso ter uma fé inabalável em YHWH, porque mais cedo ou mais tarde os judeus sairão vitoriosos e engrandecidos. Assim,  sua leitura é melhor compreendida se feita em conjunto com o Livro dos Macabeus.

O livro de Isaías:

Quanto ao suposto Isaias, ele teria vivido pelo sec. VIII e VII a.C. e não foi um único autor, uma vez que há descontinuidades dentro deste livro:

1 a 39 é o proto-Isaias que escreveu parte destes capítulos. Alguns dos capítulos aqui citados possuem dados adicionais posteriores à época em que este autor teria vivido (sec. VIII e VII a.C.).

Este livro se preocupa muito em firmar YHWH como o deus supremo e absoluto, bem como condena a aliança com potências estrangeiras. A preocupação do autor era o perigo de haver o abandono da religião judaica em prol das crenças das outras nações, o que de fato ocorria à época do autor. Israel era politeísta e YHWH era apenas um dos deuses de seu panteão.

O primeiro Isaiais fala sobre o profeta e sua época, mas se trata, no cerne da questão de uma crítica político-social aos israelitas da época, desviados daquilo que determinava a lei mosaica, fosse à época do autor, fosse em épocas anteriores.

Dos cap. 40 a 55 temos o deutero-Isaias (550-540 a.C. época do cativeiro da Babilônia). Falava de um libertador que iria resgatar o povo de Israel e enviá-lo de volta para casa. Isso se deu após o cativeiro da Babilônia em que Ciro libertou os hebreus do jugo babilônico.

Aqui começa a pregação ao final da época do exílio da Babilônia quando Ciro começa a obter vitórias. Aqui há a menção sobre o messias. Parece que a religião judaica já tinha conhecido o conceito de saoshyant ou o salvador do mundo do zoroastrismo persa, o qual aparecerá no último dia.

Dos cap. 56 a 66, temos o trito-Isaías. Parecem ser acréscimos ao deutero-Isaias, e feitos por vários autores. É um chamamento a que Israel volte a ter sua unidade por um povo, território e religião. Ao que parece este livro, que se trata de uma coletânea de profecias, foi encerrado por volta de 400 a.C.


O livro do Apocalipse:

Quanto ao Apocalipse (escrito por volta de 96 d.C.), este já aconteceu, durante o período em que de Calígula a Trajano (quando as coisas ficaram menos ruins para os cristãos) de 12 a 117 d.C. governaram Roma. Nesta época Roma perseguiu cristãos, houve o desastre de Pompéia, sendo Patmos (onde o suposto escritor do livro vivia) era uma ilha vulcânica onde havia tremores e fumaça constante no céu.


O equívoco acerca do messias:

Quando os cristãos fazem uma leitura de Isaías 53, o interpretam como se fosse a figura do messias conferindo-lhe a identidade de Jesus. Todavia, essa é uma leitura equivocada, pois em uma leitura mais acurada de Isaías 53, percebe-se que os verbos se encontram sempre no passado. Dessa forma, não se trata de alguém falando para o futuro, mas para a época dele sobre um acontecimento passado (o cativeiro da Babilônia).

No velho testamento onde aparece a palavra ungido é no livro de Daniel, apenas duas vezes: em Daniel 9:25 e 26. Este ungido, entretanto, não se trata de Jesus. A explicação para tal é extremamente complexa . 

Vejamos:
O ano de 605 a.C. é a partida dessa "profecia". O restabelecimento dos judeus em sua terra se deu em 537 a.C. 

Assim, ao se subtraíndo 70 anos (Daniel 9:1, 2, que se remete a Jeremias 29:10) de 537 chegamos a 607 a. C. (ao do exílio) que seria um pouco anterior à provável data de destruição de Jerusalém, se levado em consideração o livro de Jeremias.

Mas a tal profecia em Daniel 9:24 aparece como: 70 semanas estão determinadas sobre teu povo... Isso se refere aos judeus e não a qualquer outro povo de forma universalizada.
Nos versículos 25 a 27, a tradução não é ao ungido, ao príncipe , mas um ungido, um príncipe de forma genérica, uma vez que reis, príncipes ou sacerdotes eram denominados como ungidos.


Logo, o tal ungido não se trata do messias judeu ou escatológico.

O texto (Daniel 9:25-26) separa 62 semanas e 7 semanas e apresenta 2 ungidos:

- O das 7 semanas (MASHIACH NAGID) é o príncipe ungido. Este é Ciro rei dos persas e libertador dos judeus.

Daniel recebeu a "revelação" das primeiras sete semanas ou 49 anos (7 X 7), começando por volta de 605 a.C. (Jeremias recebera a “palavra profética” nesta data). Ciro fundou o império aquemênida por volta de 556 a. C.. Ou seja, as datas batem.

Para entrarmos no próximo ungido há uma pausa aqui. O que demonstra serem os dois períodos descontínuos.

- O das 62 semanas (MASHIACH) o ungido. Estas 62 semanas também têm como início o ano de 605 a.C. Somando-se 434 anos (62X7) a 605 a.C., chegamos em 171 a.C., ano em que Onias III, o último sumo sacerdote legítimo do templo fora assassinado após ter sido exonerado do ofício sagrado por Antíoco Epífanes.

Ao depor Onias III, Antíoco ganha o apoio dos Tobíadas (uma aliança entre ambos de 7 anos ou 1 semana), que pretendiam helenizar os judeus e por termo ao judaísmo. Antíoco profana o Templo de Jerusalém com a imagem de Zeus e manda cessar os sacrifícios. Eis as abominações.

Ao final destes 7 anos Antíoco é derrotado pelos Macabeus. O Templo é consagrado novamente a YHWH o que se tornou a festa de Chanukkah.

Logo, a transgressão era o Helenismo, que com a vitória dos Macabeus foi banido da cultura hebraica e o Santo dos Santos (o santuário do Templo) foi novamente ungido e consagrado a YHWH.
Ou seja, a “profecia" aqui não tem nada de messiânica, mas sim conta fatos corriqueiros á época em que o autor do livro escrevera.

Vale aqui comentarmos brevemente sobre o livro de Jeremias.
 
Acredita-se que o livro tenha começado a ser escrito por volta de 605 a.C e que tenha sido completado após a destruição de Jerusalém por Nabucodonosor.

O livro se compõe de:

Oráculos poéticos;
Relatos autobiográficos (as confissões), também em poesia;
Relatos biográficos em terceira pessoa (provavelmente feitos por Baruch) e sem ordem cronológica;
Discursos em prosa, cuja autoria é incerta.

O livro também apresenta algumas adições, ao que parece realizadas após o cativeiro da Babilônia, principalmente no que se refere aos oráculos contra esta nação.

Ou seja, também aqui (como em Isaías ou Daniel) não há nada de profecia senão relatos do que o escritor viveu ou conheceu a partir do passado.

É uma linguagem que parece futurista, mas é guiada à atualidade do escritor narrando o que ocorreu nos tempos anteriores, durante e após o cativeiro da Babilônia.
Como se pode notar, a época do Cativeiro e após foram períodos muito conturbados para o povo judeu, uma vez que a região era um barril de pólvora.

Agora, por que o 7 e o 70?

O número 70 corresponde à letra hebraica ayin que simboliza a vigilância de Deus sobre toda sua criação. Na Kabalah e o hod-tipheret ou a inteligência renovadora, ou seja, é uma busca para o melhor que depende da mente humana a fim de que Deus mude as situações difíceis. Esta letra é representante do sentido da raiva.

Nos escritos dos profetas aparenta ser este o sentimento que eles têm contra os iníquos e os opressores, bem como contra o próprio Israel, cuja apostasia se fazia clara. Daí ele ter sido mantido em sua originalidade em anos por Jeremias (70 anos).

Quanto ao 7, que multiplica 7 e 62 semanas, para se perfazer em anos (como explicado anteriormente), este número representa a letra zain, que é o poder da luz divina além de seu ponto de origem, sendo o seu sentido representado pelo movimento.

Também é o tiphereth-binah (inteligência disposta) da Kabalah, fundado na fé do justo e trata também sobre a correção individual das perfeições em prol do coletivo (no caso Israel tem de estar disposto a mudar para colher os frutos).

Ou seja, apesar dos pesares, Deus estará vigilante pelo seu povo (os judeus e não outros povos).

Quando Daniel converte os 70 anos de Jeremias em 70 semanas (uma semana tem 7 dias, ou seja o 70 e o 7 estão juntos), temos a vigilância de deus aliado ao seu poder e a sua luz divina indo além de qualquer ponto.

Ou seja, apesar de Deus estar magoado, seu perdão é maior que tudo. Assim a raiva (ayin) se movimentará (zain) para o amor divino, mas Israel tem de estar disposto a fazer de modo a ganhar sua renovação aos olhos divinos.

A bíblia, ou melhor o Tanakh, em sua leitura, deve vir acompanhado de seus apócrifos, do contexto histórico-sociológico, da Kabalah, do Zohar, Mishnah, Gemarah, Talmud e Sefer Yetzirah. Estes escritos são complementares e suplementares ao texto bíblico, pois levam a interpretações mais lógicas, quando há obscuridade nas palavras do escritor.

A religião judaica é impregnada de misticismo (o que os primeiros pregadores cristãos perderam por não serem versados no judaísmo rabínico). Muitas vezes, temos de recorrer a eles para entender o que os profetas (particularmente, os vejo como sábios) queriam falar ao seu povo de sua época e não ao futuro.


Conclusão:

Nesse aspecto, dizer que os livros de Daniel, Isaías e Apocalipse são livros proféticos é um engano, uma má interpretação a fim de idealizar Jesus como o messias.

Ora, o suposto Jesus não libertou nada nem ninguém, pelo contrário trouxe a desgraça ao povo judeu com 2000 anos de perseguições. Portanto, Jesus não se trata de ungido ou de messias algum, o que derruba a tese de nosso articulista.

O sofrimento humano não se trata de um “megafone de Deus”, mas de um “megafone da natureza”. Nosso planeta está passando por um processo de aquecimento, cuja culpa é nossa, de nossa ganância. O gelo das calotas polares está derretendo e os prognósticos de alguns especialistas em Geologia não são bons.

Vejamos:


A possível causa dos terremotos e sua conexão com o aquecimento global:

A elevação da temperatura planetária está derretendo as calotas polares. Com isso o volume de água nos oceanos aumentará. Sabemos que um metro cúbico de gelo tem uma massa menor que o mesmo volume de água, ou seja, sua densidade é cerca de 10% menor que a da água. 

Essa água faz uma maior pressão no leito oceânico, pode trazer consequências para as placas tectônicas muito abaixo da superfície, uma vez que a crosta terrestre, dizem os especialistas, é mais sensível do que muitos imaginam. Há casos muito bem documentados de represas produzindo terremotos devido ao peso da água acumulada nos reservatórios. 

Assim, com o aumento na pressão sobre a crosta terrestre, eventos geológicos extremos como terremotos, maremotos e erupções vulcânicas aumentarão.

Segundo Patrick Wu, da Universidade de Alberta, "O peso do gelo exerce um enorme estresse sob a crosta e de alguma forma inibe os terremotos, mas se o gelo derreter ocorrerão mais terremotos. É o mesmo que espremer uma bola de futebol; ao retirar o peso, ela retornará a sua forma original".

Wu afirma que o derretimento do gelo no Ártico já vem provocando um número maior de tremores na região e deslizamentos subterrâneos, mas que não estão merecendo maior atenção.

 

Allan Glazner, um expert em vulcões da Universidade da Carolina do Norte, afirma ter encontrado evidências da relação entre o clima e atividade vulcânica na costa da Califórnia. "Quando fui à biblioteca e pesquisei vi que em muitos lugares ao redor do planeta há uma conexão climática com a sismologia, especialmente no Mediterrâneo", explicou.

Para Glazner o maior impacto se dá nas áreas que perderam gelo, ao contrário de toda base do oceano. "Se o glaciar derrete, a água vai para o mar e se distribui em toda a superfície do ano, podendo adicionar um milímetro para o mar, mas onde houve o derretimento se tirou um quilômetro de gelo do local onde havia o glaciar", sustentou o professor norte-americano.

"Em todo o mundo existem cada vez mais evidências que as mudanças no clima mundial podem afetar a frequência de terremotos, erupções vulcânicas e deslizamentos catastróficos no fundo do mar", afirmou o geólogo britânico Bill McGuire na revista New Scientist. "Não apenas ocorreu diversas vezes ao longo da história assim como está se verificando novamente", complementou o professor do University College em Londres.

Logo, não há que se adotar uma postura medieval, recheada de superstição, e dizer que as catástrofes naturais têm um desígnio divino sob a forma de castigos, de modo a alertar o homem e conclamar todos a uma conversão em massa a um deus qualquer. Basta raciocinarmos de forma científica e procurar correlações entre os mais diversos fatores.

Quanto ao fim do mundo, eu tranqüilizo nosso articulista: ele virá para todos os seres viventes neste planeta, mais rápido que imaginamos. Não pela agonia de nosso sol dentro de 3 a 5 bilhões de anos, mas em datas distintas, pois todos nós morreremos um dia.

Assim, sejamos felizes e amenizemos o sofrimento daqueles que necessitam, pois tal conduta não esvaziará sua “alma” e preencherá uma outra. Faça o bem, não importa a quem.


Bibliografia Recomendada:


EHRMAN, Bart. O Problema com Deus. Ed. Agir;

DEBRAY, Régis. Deus um Itinerário. Ed. Companhia das Letras.

FINKELSTEIN, Israel & SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia não tinha razão. Ed. Girafa.

KESSLER, Rainer. História Social do Antigo Israel. Ed. Paulinas.

MARQUES. Leonardo Arantes. História das religiões e a Dialética do sagrado. Ed. Madras.

FOHRER, Georg. História da Religião de Israel. Ed. Paulus.

ARMSTRONG, Karen. Em Nome de Deus. Ed. Companhia das Letras.

ARMSTRONG, Karen. Uma História de Deus. Ed. Companhia das Letras.

MILES, Jack. Deus uma Biografia. Ed. Companhia das Letras.

BIERLEIN, J.F. Mitos Paralelos. Ediouro.

CAMPBELL, Joseph. As mascaras de Deus, Vol I a IV. Ed. Palas Athena.

NEUSNER, Jacob. Introdução ao Judaísmo. Ed. Imago.

THEISSEN, Gerd. A religião dos Primeiros cristãos. Ed. Paulinas.

ELIADE, Mircea. Tratado de História das Religiões. Ed. Martins Fontes.






ELIADE, Mircea.História das crenças e das ideias religiosas I e II Ed. Zahar.
 

KAUTSKY, Karl. A Origem do Cristianismo. Ed. Civilização Brasileira.

VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou cristão. Ed. Civilização Brasileira.

HILL, Jonathan. História do Cristianismo. Ed. Rosari.

CORBIN, Alan. História do Cristianismo. Ed. Martins Fontes.

BOWKER, John. O Livro de Ouro das Religiões. Ediouro.


 SCHÖKEL, L. A./SICRE DIAZ, J. L., Sobre Daniel, cf. Profetas II, São Paulo, Paulus, 1991, pp. 1259-1349; MARCONCINI, B., Daniel, São Paulo, Paulus, 1984; STORNIOLO, I. Como ler o livro de Daniel. Reino de Deus x Imperialismo, São Paulo, Paulus, 1994; GRELOT, P., O livro de Daniel, São Paulo, Paulus, 1995. 


DEL OLMO LETE, G., Mitos y leyendas de Canaan según la tradición de Ugarit, Madrid, Cristiandad, 1981, pp. 325-401. Comenta o autor na p. 356: "Talvez o núcleo histórico possa se radicar na lembrança e exaltação de um príncipe lendário estrangeiro, hábil caçador, morto em idade prematura, filho do não menos lendário rei Dnil". 

HANSON, P. D., The Dawn of Apocalyptic, Philadelphia, Fortress Press, 1983, p. 6. Cf. também a crítica de Peter von der Osten-Sacken a Von Rad em AA. VV., Apocalipsismo, São Leopoldo, Sinodal, 1983, pp. 121-170. 



Tradução Ecumênica da Bíblia (Ed. Loyola, São Paulo, 1994, p 1.358).

A Bíblia de Jerusalém (cit., pp 1.244-1.245) .

http://www.bbc.co.uk/religion/religions/zoroastrian/
 
http://www.metsul.com/secoes/visualiza.php?cod_subsecao=35&cod_texto=70

http://www.airtonjo.com/apocaliptica01.htm

O livro dos Mortos da Antigo Egito (s. Autoria). Ed. Hemus.