quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Sofismas para justificar crenças


Introdução:

A argumentação preferida dos religiosos diz respeito à classificação de todos como crentes em algo, sendo os preferidos aqueles relativos à crença na descrença e o não ser o cético um cético quanto ao seu ceticismo.

Sob o ponto de vista lógico, estes argumentos se tratam de sofismas.

O sofisma é um argumento ardiloso, que apenas parece ser verdadeiro, mas encerra falhas lógicas em sua argumentação.

Vejamos os casos:

Caso 1 - A CRENÇA NA DESCRENÇA:


Sejam as seguintes proposições:

Q = crente em religião; ~Q = ateu (não crente em religião)

P = crer ; ~P = não crer; R= ter crença; ~R = não ter crença = descrença

Relação lógica: ~Q, R---------------- P ^~R

onde:

premissas: ~Q = ser ateu e R= ter crença

conclusão: P^~R = crer e ter descrença


Tabela da verdade:

_________premissa_______premissa__________conclusão
Q ____ P ____R __________~Q______~R_______P^~R
V_____V_____V____________F_______F________F
V_____V_____F____________F_______V________V
V_____F_____V____________F_______F________F
V_____F_____F____________F_______V________F
F_____V_____V____________V_______F________F SOFISMA
F_____V_____F____________V_______V________V
F_____F_____V____________V_______F________F SOFISMA
F_____F_____F____________V_______V________F


De acordo com a tabela acima, o raciocínio da "crença na descrença" se trata de um sofisma, uma vez que apresenta duas premissas verdadeiras com uma conclusão falsa em duas linhas da tabela.


Caso 2 - O cético não é cético em relação ao ceticismo:

Trata-se de outro sofisma preferido de religiosos. Vejamos suas falhas de raciocínio:

relação lógica: C, T ---------------- ~C ^ T

onde:

premissas: C = ser cético; T = ter ceticismo

conclusão: ~C ^ T = não ser cético e ter ceticismo


tabela da verdade:

premissa_______premissa___________conclusão
C______~C_____T____________ ~C ^ T
V_______F_____V_______________F SOFISMA
V_______F_____F_______________F
F_______V_____V_______________V
F_______V_____F_______________V


Assim, de acordo com o raciocínio acima o argumento do "cético não ser cético quanto ao cetiscismo" também se trata de um, sofisma.



Conclusões:

Desse caso, pode-se concluir que antes dos religiosos proferirem suas frases de efeito a fim de convencer os leigos sobre as razões de suas crenças, deveriam analisar o conteúdo lógico delas de modo a não cometerem as gafes acima.

Ao quererem estabelecer uma forma de lógica afim de tratarem os céticos e ateus como se fossem crentes em algo, no mesmo molde daqueles que professam crenças religiosas, inserem-se numa falha de raciocínio, que, embora ardilosa, e com aparência de real, se analisada sob a lógica da argumentaçao, esta é facilmente identificada.

A crença em religiões ou ideologias não requer argumentos plausíveis de modo a justificá-las. Crê-se pelo mero desejo de se crer.

Ateus aboliram a crença religiosa, ou seja, não se fiam na existência de deuses ou do sobrenatural sob qualquer forma, além de negarem a possibilidade e evidências de que, tanto os seres divinos, quanto o mundo sobrenatural possam existir. O ateu é um descrente quanto ao que se encerra no mundo sobrenatural.

Para o agnóstico, a questão do mundo sobrenatural e dos deuses está aberta a discussões. Até o momento, não há evidências objetivas que confirmem o mundo sobrenatural e seus seres, o que não nega sua possibilidade de que tal mundo exista, se encarado sob o método da falseabilidade.

Todavia, a probabilidade de que o sobrenatural exista é tendente a zero, ou seja, não é nula.

Quanto ao cético, este raciocina como o agnóstico. A fim de poder crer (este "crer" de acordo com o paradigma científico) no sobrenatural, necessita de evidências que o confirmem.

Deste modo, mesmo que as frases de efeito se tratem de meras brincadeiras, há muito de má fé em seu bojo, cujo fito é criar a dúvida frente àqueles que desconhecem a lógica argumentativa.

Não há como se igualarem todas as formas de pensamento tornando-as todas uma crença como aquelas alinhadas com religiões e ideologias.

Caso se aja desta maneira, o raciocínio sera uma falácia (argumento não ardiloso) ou um sofisma (argumento ardiloso que parece real), dependendo de seu teor, cujo objetivo é induzir as pessoas ao erro.


Bibliografia e recomendações de leituras:

ALVES, Alaor Caffé. Lógica: Pensamento Formal e Argumentação. Ed. Quartier Latin.

CASSIRER, Ernst. Linguagem e Mito. Ed. Perspectiva.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática.

DAWKINS, Richard. Deus um Delírio. Ed. Companhia das Letras.

DENNETT, Daniel. Quebrando o Encanto: A Religiâo Como Fenômeno Natural. Ed. Globo.

DURKHEIM, Emile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. Ed. Martins Fontes.

ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. Ed. Perspectiva.

HABERMAS, Jürgen. Entre Naturalismo e Religião: Estudos Filosóficos. Ed. Tempo Brasileiro.

LE BON, Gustave. As Opiniões e as Crenças. Ed. Ícone.

NASCIMENTO, Edmundo Dantes. Lógica Aplicada à Advocacia. Ed. Saraiva.

NOBRE, Marcos. Curso Livre de Teoria Crítica. Ed. Papirus.

PERELMAN, Chaim. Retoricas. Ed. Martins Fontes.

PERELMAN, Chaim & TYTECA, Lucie Olbrechts . Tratado da Argumentação: a Nova Retórica. Ed. Martins Fontes.

PERELMAN, Chaim. Lógica Jurídica. Ed. Martins Fontes.

REBOUL, Oliver. Introdução à Retórica. Ed. Martins Fontes.

SAGAN, Carl. Variedades da Experiência Científica: Uma Visão Pessoal da Busca por Deus. Ed. Companhia das Letras.

SAGAN, Carl. O Mundo Assombrado Pelos demônios: A ciência como uma Vela no Escuro. Ed. Companhia das Letras.

SAVIAN FILHO, Juvenal. Deus - Coleção Filosofia Frente e Verso. Ed. Globo.

SCHOPENHAUER, Arthur. Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão. Ed. Top Books.

SÉRATES, Jonofon Raciocínio Lógico. Ed. Jonofon.

SPONVILLE, André Comte. O Espírito do Ateísmo. Ed. Martins Fontes.