terça-feira, 8 de setembro de 2009

O Mistério do Sexo Parte 15

9.6 - Willian Hamilton (1936 - 2000); O Darwin do século XX:

Além de suas contribuições seminais para o entendimento da evolução do sexo e da seleção sexual, Hamilton desenvolveu uma brilhante e rigorosa teoria matemática das bases genéticas e evolucionárias do altruísmo por meio da seleção de parentes (kin selection) e aptidão inclusiva (inclusive fitness), conceitos que infelizmente têm sido usados abusivamente pela sociobiologia e pela psicologia evolucionária.

Seu brilho foi tal que o britânico Richard Dawkins, outro grande evolucionista, escreveu que “W.D. Hamilton é um bom candidato para o título do darwinista mais gabaritado desde o próprio Darwin”.

Acontece, às vezes, de grandes homens de ciência cometerem grandes erros. Sempre agressivo e polêmico, Hamilton desenvolveu durante a década de 1990 a teoria excêntrica e idiossincrática de que o vírus HIV havia evoluído a partir de vacinas orais de poliomielite contaminadas, usadas na década de 1950.

Em 2000 ele organizou uma excursão científica ao Congo para investigar sua hipótese. Durante a viagem ele contraiu malária, que evoluiu para forma cerebral. Hamilton foi transferido de volta à Inglaterra para tratamento, mas faleceu após seis semanas de hospitalização, com uma hemorragia cerebral.

É triste e curioso que esse grande evolucionista, que tanto contribuiu para o entendimento do papel evolucionário dos parasitas, tenha sucumbido exatamente ao Plasmodium falciparum, um parasita de extraordinária relevância evolucionária, pois acompanha a humanidade desde os seus primórdios.

Hamilton foi enterrado na Inglaterra. Nisso, não foi obedecido seu desejo, expresso no artigo intitulado “My intended burial and why” [‘Meu enterro desejado e por quê’], de ser enterrado em uma floresta brasileira.


“Deixarei um pedido no meu testamento para que meu corpo seja carregado para o Brasil e para essas florestas [...] e estes grandes besouros Coprophanaeus me enterrarão. Eles penetrarão em minha carne e a comerão; na forma de cria deles e minha, escaparei da morte. […] Zumbirei no lusco-fusco como uma grande mamangaba. Serei muitos, zumbindo como um enxame de motocicletas, alçarei voo, corpo ao lado de corpo no ar, voando na selva sob as estrelas, suspensos sob esses belos élitros [asas dos coleópteros] que teremos nas nossas costas. Finalmente, também reluzirei como um escaravelho violeta sob uma pedra.”

Essa é a idéia de imortalidade de um verdadeiro evolucionista...

Outro estudo extraído daqui, ratifica a questão da vantagem da reprodução sexuada em detrimento da reprodução assexuada, conforme segue:


9.7- Você gosta de sexo? Agradeça a um parasita.

Há muito se pergunta por que o sexo se tornou tão importante, mesmo quando a vida evoluía com criaturas se reproduzindo assexuadamente.

Essas criaturas nem precisavam encontrar um parceiro. Enquanto isso pode parecer nada divertido, certamente é eficiente, fazendo com que a capacidade de reprodução de um número de organismos possa ser dobrada.

Então por que a reprodução eventualmente evoluiu para transformar o sexo como o conhecemos? Uma teoria afirma que tudo possa ter sido uma reação a parasitas. Sabe, o problema sobre a reprodução sem sexo é que você cria clones, e clones e mais clones.

Cada organismo tem o mesmo DNA, com uma ou outra mutação causada pelo tempo. Se um parasita descobrisse como explorar uma vulnerabilidade dos organismos, a espécie inteira estaria condenada.

Para resolver isso, o sexo com parceiros diferentes faz combinações de DNA e cria indivíduos geneticamente únicos.

Parasitas podem matar vários organismos, mas é provável, deste modo, que alguns indivíduos sejam menos vulneráveis ao ataque, e a espécie continua a sua vida normalmente. Tudo isso já era teorizado, mas o verdadeiro teste para qualquer teoria está na natureza.

Nos últimos dez anos, cientistas estudaram a Potamopyrgus antipodarum, uma lesma da Nova Zelândia, que tem reprodução assexuada e sexuada.

Os pesquisadores contaram a população das lesmas e o número de infecções parasitárias sofridas por cada variedade.

Os clones estavam saudáveis no início do estudo, mas se tornaram cada vez mais suscetíveis a parasitas.

Com o número de infecções por parasitas aumentando, o número de lesmas desse tipo diminui, enquanto algumas populações de lesmas do tipo clonado desapareceram completamente.

Enquanto isso, a população de lesmas com reprodução sexuada permaneceu mais estável. Isso, de acordo com os pesquisadores, é exatamente o padrão previsto pela hipótese dos parasitas.

“A ascensão e declínio dessas linhagens exclusivamente femininas foi rápida e consistente com a previsão dos parasitas sobre o sexo”, afirma Jukka Jokela, do Instituto de Ciência Aquática e Tecnologia da Suíça, que participou do estudo.

“Estes resultados sugerem que a reprodução sexual provê uma vantagem evolucionária em ambientes com muitos parasitas”, diz Jokela.

Tais resultados se somam a um estudo realizado em 2005 com leveduras, sendo que aquelas que realizavam a reprodução sexuada se saíram melhor na procriação quando estavam sem alimentos que aquelas que realizavam reprodução sem sexo.

Dessa forma este estudo vem a confirmar a teoria de que sexo representa uma grande vantagem evolutiva, seja na proteção contra parasitas, seja contra as adversidades do meio ambiente, confirmando a Teoria da Rainha Vermelha e do Bobo da Corte como não mutuamente excludentes.

O MIstério do Sexo Parte 14

9.4 - O suporte para a teoria da rainha vermelha:

Imaginemos o exemplo abaixo:

Numa população de organismos (de preferência com reprodução sexuada -o porquê veremos mais para frente) parasitada por um ser vivo de geração curta, o que não é muito difícil, lembrando que uma das bactéria que se encontra no nosso intestino, a E. coli quando em condições ideais se divide a cada vinte minutos e a Clostridium perfringens que causa intoxicações alimentares e em alguns casos gangrena, a cada nove minutos.

Imagine agora, que este parasita utiliza um receptor celular específico para se aderir ao hospedeiro (não é que o hospedeiro tem receptores feitos para adesão de patógenos, mas sim o inverso, invasores utilizam receptores que já estão presentes realizando outras funções, como comunicação celular).

Considere no desenho abaixo que o receptor celular é a fechadura, e a proteína do invasor é a chave.

Na primeira geração, o tipo mais comum de receptor é o vermelho. Em pouco tempo, o parasita que passa a utilizar este receptor é o mais bem sucedido (pois tem mais hospedeiros para infectar) e os hospedeiros vermelhos deixam menos descendentes.

O hospedeiro com o receptor azul tem mais descendentes e na geração seguinte, passa a ser o mais comum.

Novamente, dentre os parasitas, aquele que utilizar o receptor azul vai ser mais bem sucedido, de maneira que o hospedeiro azul tem menos descendentes.

Esse ciclo se mantém, perpetuando uma situação onde hospedeiro e parasita estão mudando para permanecerem na mesma condição. A reprodução sexuada é importante nesse caso, pois permite uma propagação mais rápida das características que foram benéficas na geração anterior.

É difícil de acompanhar a confirmação da teoria da rainha vermelha, uma vez que, exige a observação de várias gerações do organismo em estudo, envolve mudanças que muitas vezes não são detectadas, mas há exemplos:


9.4. 1 - A Daphnia Magna
Trata-se do crustáceo de água doce Daphnia Magna ou pulga-de-água, como é conhecido pelo movimento feito quando contrai as antenas, movendo-se na água como se fosse um pulo.




Ellen Decaester e colaboradores em um artigo da Nature, coletaram amostras de sedimento no fundo de um lago onde se encontravam várias camadas de deposição, cada camada correspondendo a um intervalo de tempo, totalizando 24 cm de sedimento e 39 anos de registro.

Nas camadas de sedimento se encontravam ovos de Daphnia e esporos de um parasita que a ataca, a bactéria Pasteuria ramosa.

A idéia, muito elegante por sinal, foi expor a pulga-de-água de cada ano a bactérias de todos os anos, passados, presente e futuros, para determinar o sucesso de infecção da bactéria.

Eis o resultado: bactérias do passado (da camada anterior de sedimento), não infectam tão bem quanto bactérias do presente(da mesma camada de sedimento), pois a geração de Daphnia presente já foi selecionada para resistir à infecção, e as bactérias do futuro (da camada seguinte de sedimento) também não infectam tão bem, pois já foram selecionadas para infectar as futuras pulgas-de-água.

No total, a taxa de infecção das bactérias do presente se manteve constante, em torno de 60%, ou seja, ambos parasita e hospedeiro, mudaram a cada camada de sedimento para permanecer no mesmo lugar...

9.4.2 - Plumas: arma contra parasitas

Quando o inglês Charles Darwin (1809-1882) publicou sua obra máxima, A origem das espécies, em 1859, propondo que a diversidade biológica poderia ser explicada pela evolução através do processo de seleção natural, ele tinha consciência de que alguns fatos desafiavam essa grande teoria.

Se a evolução realmente ocorre pela “sobrevivência dos mais aptos”, como a seleção natural poderia explicar a evolução do elaborado arranjo das plumas multicoloridas da cauda dos pavões?

O excesso de cores, formas e materiais dessa magnífica cauda, que mais parece um traje carnavalesco, dificilmente pode ser atribuído a um processo tão econômicoquanto a seleção natural.

De fato, ao invés de promover a sobrevivência, tal estrutura parece ser um fardo,que torna os pavões machos mais suscetíveis à ação dos predadores. E é evidente que isso não precisa ser assim, já que o ‘traje’ das fêmeas dos pavões é tão conservador quanto os das senhoras vitorianas.

Em 1871, Darwin publicou um enorme tratado denominado A origem do homem e a seleção em relação ao sexo, no qual reconheceu que a evolução de muitas das diferenças entre machos e fêmeas (chamadas de características sexuais secundárias) só poderia ser explicada por um processo de seleção que privilegiasse o sucesso reprodutivo, mesmo que isso acarretasse certo custo em termos de sobrevivência. Para descrever esse processo, Darwin criou o termo ‘seleção sexual’.

Ele notou que em muitas espécies ocorre competição entre machos, na disputa por fêmeas reprodutivas, e que alguns poucos machos monopolizam grande parte das oportunidades de reprodução, enquanto os outros têm poucos filhos ou até morrem virgens.

Assim, qualquer característica fisiológica, morfológica ou comportamental que aumentasse a probabilidade de sucesso no conflito entre machos seria selecionada.

Para Darwin, esse processo explicaria, por exemplo, porque machos são em geral maiores e mais fortes que as fêmeas e possuem estruturas poderosas usadas como verdadeiras armas em combates físicos com outros machos (como os chifres dos veados, as grandes presas dos elefantes e as fortes patas dos caranguejos).



Darwin percebeu ainda que em muitas espécies o poder de escolher o parceiro reprodutivo está com as fêmeas. Nesse caso, os melhores machos seriam aqueles com mecanismos de sedução desenvolvidos. Isso explicaria, por exemplo, a evolução de cantos, danças e exibições altamente elaboradas dos comportamentos de corte de muitas espécies, assim como o aparecimento das majestosas plumas dos pavões.

Em 1982, com a publicação do artigo de William Hamilton (e de sua então aluna de pós-graduação Marlene Zuk), os parasitas ‘infectaram’ o cenário dos debates sobre seleção sexual e evolução de características sexuais secundárias.

No mundo da Rainha Vermelha, no qual os parasitas estão a poucos passos evolutivos atrás dos hospedeiros, acasalamento é coisa séria.Como em geral as fêmeas investem mais recursos na prole que os machos e dedicam mais tempo ao cuidado das crias, espera-se que sejam extremamente cuidadosas na escolha dos parceiros reprodutivos, pois uma má escolha pode comprometer de maneira vital a sobrevivência de seus filhos.

Acredita-se, portanto, que as fêmeas, ao decidir com quem se acasalar, buscam sinais que evidenciem a presença de ‘bons genes’ contra parasitas, para aumentar as chances de que seus filhos adquiram essas defesas. Ao mesmo tempo, espera-se que machos possuidores de bons genes façam ‘propaganda’ disso.

Assim, cores vistosas, exibições atléticas prolongadas e cantos elaborados podem ser vistos como ‘propagandas genéticas’ que sinalizam as qualidades relativas entre potenciais parceiros reprodutivos. Além disso, os combates entre machos e a evolução de muitas outras características sexuais, como os chifres dos alces, seriam uma forma de ordenar os machos quanto às suas qualidades genéticas antiparasitas.

Nesse mercado reprodutivo competitivo, porém, pode-se esperar que nem todos os machos sejam honestos quanto às suas qualidades. A tentação de produzir adornos um pouquinho mais elaborados do que o vizinho, mesmo sem ter bons genes, é muito grande.

Isso leva ao surgimento de propagandas não-fidedignas. Para que isso não ocorra, segundo o evolucionista israelense Amotz Zahavi, daUniversidade de Tel-Aviv, as características sexuais secundárias têm que ser custosas, de modo que apenas indivíduos com genes realmente bons possam produzi-las.

Em outras palavras, se o custo da mentira é grande, não vale a pena mentir. É interessante notar que enquanto Darwin considera o custo das características sexuais secundárias um subproduto não-desejável da seleção sexual, a teoria da Rainha Vermelha vê em tal custo uma condição essencial para o funcionamento do modelo.

Essa nova teoria também resolveu um antigo problema dos modelos de seleção sexual baseados em vantagens genéticas, identificado em 1930 pelo geneticista norte-americano Ronald Fisher (1890-1962).

Se há genes ‘bons’, e se as fêmeas preferem se acasalar com os machos que os possuem, tais genes tenderiam a se espalhar na população e a se fixar rapidamente, e as fêmeas não conseguiriam mais fazer essa escolha. Assim, como as vantagens genéticas seriam mantidas através das gerações, levando à seleção de características tão elaboradas como a cauda dos pavões?

A dinâmica coevolutiva entre hospedeiros e parasitas foi o truque que Hamilton usou para contornar o problema. Para ele, as fêmeas sempre procuram se acasalar com o melhor genótipo da população, mas no mundo da Rainha Vermelha a seleção depende de freqüência, e os genes que conferem resistência aos parasitas de hoje provavelmente não serão os melhores para as pressões de amanhã. Ou seja, o que é ‘bom’ muda continuamente.

Esse ambiente teórico admite ciclos coevolutivos longos, que permitem o desenvolvimento de características sexuais secundárias elaboradas.
Diversos estudos recentes, de campo e de laboratório, têm verificado algumas predições da teoria da Rainha Vermelha. Em andorinhas (Hirundo rustica), machos parasitados por carrapatos têm caudas mais curtas do que machos não-infectados, e as fêmeas preferem acasalar-se com machos com caudas longas.

Além disso, um interessante experimento trocou a metade dos ovos entre ninhos e revelou que a carga de parasitas dos filhos é mais relacionada com a carga de parasitas dos pais genéticos do que com a dos ‘padrastos’. Isso revela que a resistência aos parasitas é hereditária, um dos fatores-chave para a teoria de Hamilton e Zuk funcionar.

9.4.3- Em galinhas selvagens (Gallus gallus):
Descobriu-se que galos não-parasitados têm cristas mais desenvolvidas do que galos contaminados por vermes intestinais, e que a preferência de acasalamento das galinhas está mais associada às cristas do que ao tamanho do corpo do galo.





9.4.5 - peixe barrigudinho (Poecilia reticulata):
No machos mais parasitados exibem o comportamento de corte com menos freqüência. Com isso, as fêmeas tendem a se acasalar com os menos parasitados. Machos de pererecas (Hyla versicolor) parasitadas por vermes helmintos emitem menos chamados de corte e têm baixo sucesso reprodutivo.




9.4.6 - Piranga olivacea

O teste mais difícil que a teoria da Rainha Vermelha enfrentou talvez tenha sido o chamado teste da previsão interespecífica.

Segundo a teoria, espécies submetidas durante sua história evolutiva a uma maior pressão de parasitas deveriam exibir características sexuais secundárias mais elaboradas. Para testar tal hipótese, Hamilton e Zuk cruzaram dois tipos de dados. Marlene Zuk ordenou as espécies de aves norte-americanas em função do grau de desenvolvimento de características sexuais secundárias.

Aves com colorações ultraelaboradas, como Piranga olivacea (da família dos tangarás) ganharam nota 6, enquanto pássaros monocromáticos receberam nota 1. Ao mesmo tempo, Hamilton pesquisou a bibliografia veterinária e zoológica para calcular um índice da pressão de parasitas (causadores de infecções sangüíneas crônicas) para cada uma dessas espécies.

Se a teoria estivesse correta, aquelas com penas mais coloridas e elaboradas deveriam ter mais parasitas. E foi exatamente isso que eles encontraram.

A relação entre parasitismo e menor sucesso reprodutivo também foi confirmada em moscas-das-frutas (Drosophila testacea).


9.5 - Um estudo atual:

Um simples fungo está ajudando a ciência a entender as causas que promovem a diferenciação entre os sexos. A novidade ganhou a capa da edição desta quarta-feira (09/1) da revista Nature.
O Phycomyces blakesleeanus é um fungo filamentoso conhecido pela sensibilidade à luz, o que faz com que a maioria dos estudos que o envolvam estejam relacionados a fenômenos como o fototropismo. Mas na nova pesquisa o foco é outro: sexo.

Como em outros fungos, a determinação do sexo no P. blakesleeanus não é controlada por um cromossomo completo, mas por uma pequena região do genoma denominada locus (posição) sexual.

Por meio de recursos de bioinformática e de mapeamento genético, a equipe coordenada por Joseph Heitman, do Departamento de Genética Molecular e Microbiologia da Universidade Duke, nos Estados Unidos, identificou dois alelos (formas alternativas do mesmo gene) sexuais, que chamaram de mais e menos e que têm papel fundamental na determinação do sexo.

Assim como o gene SRY, regulador-chave no processo de diferenciação sexual em embriões humanos, os alelos codificam fatores de transcrição. "Cada alelo sexual contém um único gene que codifica uma proteína do grupo de alta mobilidade [envolvida com o processo de transcrição], implicando que tais proteínas são uma forma inicial dos locais de diferenciação sexual no fungo", descreveram os autores.

Segundo eles, os resultados da pesquisa indicam e existência de "um mecanismo geral para os passos iniciais na evolução da determinação sexual e da estrutura cromossômica ligada ao sexo em eucariontes".

Para a Nature, embora mais pesquisas sobre o tema sejam necessárias, o estudo agora publicado "dá um passo fundamental rumo à compreensão da trajetória evolucionária da região de determinação sexual no reino dos fungos".

O artigo Identification of the sex genes in na early diverged fungus, de Joseph Heitman e outros, pode ser lido por assinantes da Nature aqui.

O Mistério do Sexo Parte 13

9 - A Rainha Vermelha e o Bobo da Corte:

É natural que sexo seja bom, mas bom para que? Se perguntaram os cientistas; há controvérsias.
Em 1889, o biólogo alemão August Weismann (1834-1914) notou que a função do sexo não poderia ser a de permitir a multiplicação dos organismos, pois diversas espécies reproduzem-se sem recorrer ao sexo.

Muitas espécies de plantas ‘pegam de galho’: basta enterrar um pedaço de um ramo para obter novo indivíduo.

Outros organismos, como as planárias (vermes de vida aquática), podem gerar novo organismo pela fissão do corpo. Micróbios unicelulares simplesmente dividem-se em dois, por um processo semelhante à mitose.

Muitos insetos, como os pulgões, passam parte do ano produzindo ovos que geram cópias genéticas do indivíduo que os produziu -- tal processo, chamado de ‘partenogênese’, é uma forma de reprodução assexuada bem comum entre os animais, e ocorre até em animais mais complexos, como alguns lagartos, peixes e anfíbios.

A maioria dos animais e plantas, porém, reproduz-se sexuadamente, misturando genes do pai com genes da mãe (reprodução cruzada). Para que a reprodução sexuada seja possível, machos e fêmeas (ou estruturas masculinas e femininas, nas plantas) precisam produzir gametas (células reprodutivas, masculinas ou femininas) que em geral têm apenas uma das duas cópias de cada gene que esses indivíduos possuem.

A redução do número de cromossomos (de 2n para n) na produção de gametas ocorre através de um processo celular complexo, a meiose. A fusão de um gameta masculino de um indivíduo com o gameta feminino de outro é chamado de fertilização. Durante essa fusão, os genes recebidos da mãe e do pai misturam-se em novas combinações. Isso explica por que os filhos de um mesmo casal são sempre diferentes. De maneira simplificada, pode-se dizer que sexo é reprodução cruzada mais recombinação.

Em 1971, o evolucionista inglês John Maynard Smith (1920-) notou que um indivíduo sexuado passa apenas metade do seu material genético aos filhos, enquanto um indivíduo assexuado passa todos os seus genes. Ou seja, na corrida evolutiva, onde passar os genes para a próxima geração é um dos maiores ‘objetivos’, organismos sexuados partem com desvantagem de quase 50%, que ficou conhecida como “o custo da meiose”. Sexo, portanto, parece ser um luxo que não deveria existir.

Como a existência do sexo é inegável, os biólogos têm quebrado a cabeça para descobrir qual o grande benefício que ele traz para os seres vivos. Maynard-Smith argumentou que o sexo só poderia ter evoluído se esse benefício misterioso pelo menos contrabalançasse o grande custo da meiose. Mas, afinal, que benefício é esse?

Desde Weismann, vários cientistas tentam identificar essa vantagem, capaz de justificar a origem e a manutenção da reprodução sexuada (ver ‘O sexo serve para quê?’). Algumas das hipóteses lançadas apontam para benefícios genéticos e outras para vantagens ecológicas. Este artigo apresenta em detalhes uma das propostas, a teoria sosigônica (ou ‘teoria da Rainha Vermelha’, como é também conhecida), que vem recebendo muita atenção da comunidade científica nos últimos tempos.

9. 1 - A rainha vermelha:
O primeiro modelo, cujo nome faz alusão à Rainha Vermelha, personagem do livro Alice através do espelho, de Lewis Carroll (1832-1898), foi sugerido pelo biólogo norte-americano Leigh Van Valen, em 1973. Segundo esse modelo, as interações entre os seres vivos seriam os principais condutores da mudança evolutiva. É o que ocorre, por exemplo, quando um novo tipo de defesa surge em uma população de presas.

Essa audaciosa teoria sobre a origem e a manutenção do sexo foi proposta pelo evolucionista inglês William D. Hamilton (1936-), da Universidade de Oxford, em 1980. Segundo ele, os parasitas estão em toda parte e procuram sempre, por sua natureza, explorar seus hospedeiros. Além disso, apresentam virulência específica, afetando apenas determinados genótipos dos hospedeiros, enquanto estes têm genes que conferem resistência ao ataque.

Com isso, o surgimento de todo e qualquer tipo de contra-ataque por parte dos predadores passa a ser algo extremamente vantajoso.

Não há soluções propriamente definitivas para essas ‘corridas armamentistas’, pois a evolução de novos tipos de defesa (ou de ataque) produz repercussões que vão e voltam. Assim, a exemplo do que ocorre no livro de Carroll, as espécies estão sempre ‘correndo para permanecer no mesmo lugar’, isto é, as linhagens mais bem-sucedidas simplesmente persistem, enquanto as outras vão desaparecendo.

Como o tempo de geração dos parasitas é muitas vezes menor que o dos hospedeiros e por isso suas taxas de evolução são muitas vezes maiores, a única saída para os hospedeiros é produzir filhos com genótipos diferentes dos demais genótipos da população através da reprodução sexuada.

O mundo em que esse modelo está inserido ficou conhecido como o mundo da Rainha Vermelha, nome dado pelo paleontólogo norte-americano Leigh Van Valen, da Universidade de Chicago, em referência a uma passagem da fábula Alice no país dos espelhos, do inglês Lewis Carroll (1832-1898).

Nessa passagem, Alice foge do exército (de cartas de baralho) da Rainha Vermelha, mas não consegue se distanciar de seus perseguidores. Nesse momento, é advertida pela Rainha Vermelha: “Aqui, veja, você precisa correr o máximo possível, para se manter no mesmo lugar.”

Alice só seria pega se parasse de correr. Segundo Hamilton, uma ‘corrida armamentista’ entre hospedeiros e parasitas ocorre desde que a vida surgiu na Terra.

Os parasitas estão sempre quebrando as barreiras defensivas impostas pelo genótipo dos hospedeiros, enquanto estes, com a ajuda do sexo, criam continuamente novas defesas.

Na ausência do sexo, os hospedeiros permaneceriam em essência os mesmos, enquanto os parasitas iriam acumulando adaptações que lhes permitiriam quebrar todos os sistemas de defesa dos primeiros. Cedo ou tarde, os hospedeiros seriam virtualmente devorados de dentro para fora. Só resta a eles, para fugir do batalhão de parasitas que os perseguem, continuar correndo.

O ciclo coevolutivo de parasitas e hospedeiros reflete essa perseguição eterna. Indivíduos com genótipo resistente aos parasitas reproduzem-se com sucesso, o que aumenta a freqüência, na espécie, desses alelos (variações de um mesmo gene). Mas alguns raros parasitas conseguem quebrar essa defesa e começam a se reproduzir com sucesso, espalhando o novo gene da virulência.

Com o tempo, o antigo genótipo do hospedeiro deixa de ser o mais resistente, passa a ter sua freqüência reduzida, e um novo genótipo raro torna-se a melhor defesa, espalhando-se na população.

Em outras palavras, a seleção natural, no modelo de Hamilton, depende da freqüência.

Genótipos comuns são selecionados negativamente (sua freqüência diminui) e genótipos raros são selecionados a favor (sua freqüência aumenta).Um efeito interessante desse tipo de seleção é que a variabilidade genética não é perdida nunca.

É como se soluções genéticas obsoletas em dado momento fossem temporariamente colocadas de lado para serem eventualmente recicladas no futuro. Se isso é correto, a ‘teoria da Rainha Vermelha’ ajudaria a explicar a diversidade de alelos e, em conseqüência, a existência de diferentes formas de proteínas, que tanto intrigaram os geneticistas a algumas décadas.

Muitas das suposições decorrentes do modelo de Hamilton foram confirmadas recentemente. Estudos empíricos demonstraram que populações naturais têm uma substancial variação genética para resistência às doenças e à virulência dos parasitas.

Além disso, mostrou-se que há forte associação entre genótipos, como um sistema ‘chave-fechadura’: parasitas com a ‘chave’ certa atacam o hospedeiro e reproduzem-se com sucesso, enquanto parasitas com a ‘chave’ errada penam para se perpetuar.

Muitos estudos indicam, também, que espécies com reprodução assexuada são mais suscetíveis a ataques de parasitas que espécies aparentadas com reprodução sexuada. Isso também é verdade para variedades de plantas. Qualquer agricultor sabe que monoculturas de cereais geneticamente uniformes são altamente propensas a serem devastadas por pragas.

A teoria da Rainha Vermelha prediz diversos padrões ecológicos que têm sido verificados na natureza. Segundo a teoria, por exemplo, quanto maior a diferença entre o tempo de vida do hospedeiro e o tempo de vida do parasita, maior será a pressão de parasitismo.

Assim, o sexo deve ser mais freqüente em organismos grandes e de alta longevidade, o que foi confirmado em uma grande revisão da literatura científica.Em outro exemplo, prevê-se que organismos com reprodução assexuadada vêm ser mais comuns em ambientes instáveis, onde as relações parasita-hospedeiro são quebradas constantemente.

De fato, tais organismos são mais freqüentes em campos do que nas florestas maduras, em países temperados e em topos de montanhas, condições de maior instabilidade ambiental.

Além disso, organismos de água doce, submetidos a grandes variações de temperatura e de teores de nutrientes, tendem a se reproduzir mais assexuadamente que organismos de ambientes marinhos, mais constantes.As mesmas idéias de coevolução entre parasitas e hospedeiros que ajudam a entender a evolução do sexo podem ser úteis para explicar as diferenças fisiológicas, morfológicas e comportamentais entre machos e fêmeas.


9.2 - O bobo da corte:
O modelo Bobo da Corte [Court Jester, no original em inglês], proposto pelo paleontólogo norte-americano Anthony D. Barnosky, em 2001, ressalta a importância evolutiva das perturbações ambientais promovidas por fatores abióticos, como mudanças climáticas e soerguimento de montanhas.

Mais especificamente, a história das linhagens dependeria, em boa medida, de suas respostas às mudanças imprevisíveis que ocorrem no ambiente físico, lembrando o comportamento caprichoso dos bobos da corte dos tempos medievais.

Cabe ressaltar, porém, que não há ‘corridas armamentistas’ entre linhagens de seres vivos e elementos não-vivos do ambiente, pois estes últimos são evolutivamente inertes – fótons de luz e moléculas de água, por exemplo, não mudam, ao longo do tempo, em função de serem ou não consumidos por seres vivos.

Perturbações no ambiente físico podem exigir a evolução de novos níveis de tolerância, mas isso não desencadeia uma sucessão de ajustes mútuos entre seres vivos e elementos não-vivos.

No entanto, a reprodução assexuada é mais comum em organismos de água doce, onde os teores de nutrientes e a temperatura flutuam bastante, e a reprodução sexuada predomina em ambientes marinhos, mais constantes. Além disso, organismos assexuados são comuns no início da sucessão ecológica, em países temperados e em topos de montanha, onde espera-se maior instabilidade.


9.3 - O responsável; A rainha vermelha ou o bobo da corte:

E quem seria, portanto, o grande responsável por moldar a diversidade das espécies, a Rainha Vermelha ou o Bobo da Corte?

Na opinião de Benton, os dois modelos não são necessariamente excludentes. Eles apenas parecem operar em escalas (espaciais e temporais) distintas.

Assim, enquanto competição, predação e outros fatores bióticos moldariam a evolução no interior de ecossistemas locais por períodos relativamente curtos de tempo, fatores abióticos, como mudanças climáticas e eventos tectônicos ou oceânicos, poderiam moldar padrões de evolução em larga escala e por milhares ou milhões de anos.


Como afirma o autor, resta saber se essa visão pluralista do processo evolutivo vai facilitar o diálogo entre as diferentes escolas de pensamento envolvidas com o estudo da diversidade biológica.