Este é um trecho muito interessante do debate entre Willian Lane Craig (filósofo, teólogo e apologista cristão) e Peter Atkins químico que leciona na Universidade de Oxford.
O Sr. Craig (aqui) cometeu muitas impropriedades em sua argumentação. Vejamos:
Ao início Atkins provavelmente deveria estar falando sobre a origem das crenças e sua seleção natural pela genética daqueles que criam como sendo os mais aptos a vida.
Demonstrar a origem das crenças não significa atestar que sejam falsas ou verdadeiras. Todavia tomar a crença como suporte contra o medo e a ansiedade torna os que crêem mais capazes de enfrentar as adversidades e assim sobreviverem melhor e se reproduzirem frente aqueles que não criam.
Mas Craig começa com “mesmo se fosse o que eu não admito”, aliás, com base em que não admite o estudo sociobiológico das crenças a fim de intitular tudo como falácias genéticas?
Ao que me pareceu, Craig lança um amontoado de absurdos na tentativa de ridicularizar Atkins, mas como analisaremos adiante, a argumentação deste senhor são completamente infundadas sob a ótica científica.
Matemática se prova via teoremas e estes se baseiam em:
Axiomas - hipótese inicial de qual outros enunciados são logicamente derivados que permite a construção de um sistema formal. São estados que são verdadeiros em algum possível universo, para alguma possível interpretação e com alguma tarefa de valor. São utilizados para um mínimo conjunto de tautologias, suficientes para provar demais tautologias na linguagem. Na lógica de primeira ordem o axioma lógico é necessário para provar verdades lógicas que não são tautologias no sentido rígido.
Postulados - hipóteses adicionais que são aceitas sem demonstração, sendo que sua validade tem que ser estabelecida por meio de experiências reais, visando capturar o que é especial sobre uma estrutura particular, assim não se tratam de tautologias.
Tanto axiomas como postulados variam conforme onde se está lidando (ex. superfícies com curvatura negativa, zero ou positiva; álgebra ou álgebra linear, grupos, nós e aneis).
A Lógica Formal parte de três axiomas tautológicos – expressão da mesma idéia sob formas diferentes, ou seja, também são observados e evidentes. Mas, dependendo de que tipo de lógica estamos nos valendo, as coisas não são tão evidentes e verdadeiras assim, a ponto de serem axiomatizadas.
É o que ocorre com a lógica dialética, de onde partimos de dogmas. É esta a forma de lógica que sustenta as crenças, ideologias e valores.
Assim como os axiomas e postulados, os dogmas possuem sua carga de verdade dependendo de onde nos encontramos. Um dogma do direito brasileiro é diferente de um do direito inglês, assim como uma ideologia japonesa é diferente de uma canadense e como uma crença africana é diferente de uma polinésia.
Os princípios, nas ciências em geral, se tratam de observações evidentes e não há necessidade de se prová-los. Ou seja, são meramente práticos.
Sobre a lógica e a matemática, não são via petições de princípio que se provam a argumentação destas disciplinas, mas partimos das tautologias.
Antes há que se entender o que são petições de princípio e tautologias.
Falácia é um argumento dedutivo que, embora inválido, é capaz de enganar o interlocutor incauto.
As falácias dividem-se em:
Formais: se há um defeito no modo como as premissas são concatenadas para chegar à conclusão. Por exemplo: Os morcegos voam; as aves voam; logo, morcegos são aves. O problema aqui é que da afirmação de que o mesmo predicado (voam) cabe a dois sujeito distintos (morcegos, aves) não se pode concluir a identidade desses sujeitos: de dois sujeitos não se conclui um predicado.
Não formais: se há um defeito semântico (falácias de sentido, como no exemplo: o homem é um animal; animais são irracionais; logo, o homem é irracional - em que claramente o sentido com que se usa animal na primeira e na segunda premissa não é o mesmo) ou persuasivo (falácias de relevância, como no exemplo: João defende aumentos para os professores; mas João é um professor; logo, João está apenas falando em causa própria - em que as premissas não levam à conclusão, embora pareçam levar).
A petição de princípio é uma falácia não formal em que se tenta provar uma conclusão com base em premissas que já a pressupõem como verdadeira. Trata-se de uma falácia de relevância, porque o poder persuasivo do argumento depende de uma manipulação das premissas.
Um exemplo famoso é o argumento de Descartes para provar a existência de Deus: sendo a idéia de Deus a idéia de um ser perfeito, a um ser que fosse perfeito não poderia faltar a existência, de modo que Deus, portanto, existe.
Ora, mesmo supondo que, de fato, a existência fosse um dos atributos da perfeição, o que está longe de ser evidente, o argumento só prova que, se existisse um ser perfeito, esse ser teria que, para ser perfeito, existir. Isso não prova que esse ser existe. Se provasse, teria que existir uma ilha perfeita, um povo perfeito, um rio perfeito etc.
Assim, uma petição de princípio é uma falácia não porque derive a conclusão equivocadamente das premissas, e sim porque só consegue derivar a conclusão das premissas porque a conclusão é, ela mesma, pressuposta nas premissas.
Uma tautologia, contudo, não é uma falácia. Por definição, tautologia é uma proposição verdadeira, mas que não acrescenta nenhuma informação nova sobre a coisa de que fala. Por exemplo, dizer que um círculo é redondo.
Ora, o próprio conceito de círculo pressupõe a retundidade, de modo que dizer dele que ele é redondo não é dizer nada que já não se soubesse ao saber que se trata de um círculo.
O mesmo acontece ao dizer que as normas jurídicas são obrigatórias, que as normas legítimas são obedecidas pelos destinatários ou que decisões discricionárias deixam uma margem de escolha para o administrador. Tudo isso é verdade, não por conclusão, mas por definição, de modo que nada acrescentam.
Não quer dizer que tautologias sejam inúteis. Por exemplo, a equação F = m.a, da terceira lei de Newton, é uma tautologia (dizer que a quantidade de força é igual ao produto da massa do objeto pela aceleração que se imprime a ele não é dizer nada de novo, porque não há qualquer outra forma, que não essa, de calcular a força), mas está longe de ser inútil.
Assim, há pelo menos três diferenças relevantes entre petição de princípio e tautologia:
1) petição de princípio é um argumento (quer dizer, um conjunto de proposições encadeadas para chegar a uma conclusão); tautologia é uma proposição.
2) petição de princípio é inválida (uma falácia); tautologia é sempre verdadeira (embora seja uma verdade estéril).
3) petição de princípio é sempre desaconselhável, sendo sua presença suficiente para invalidar uma linha de argumento; tautologias são muitas vezes necessárias para fornecer definições e esclarecimentos de termos e conceitos empregados.
Dessa forma, Craig comete seu primeiro erro ao analisar “provas” de proposições lógico- matemáticas como petições de princípio, sendo que tais provas sequer existem.
A tautologia é evidente e, o que é evidente, não necessita de provas.
Quanto a petição de principio, para deixar de ser uma falácia e ser um argumento consistente, deverá demonstrar a verdade de suas premissas a fim de tecer uma determinada conclusão, pois estas não são evidentes como as tautologias.
Tão pouco deverá derivar a conclusão das premissas porque a conclusão é, ela mesma, e está pressuposta nas premissas quando se argumenta pela petição de princípio. Há que se terem premissas válidas (demonstradas) para se chegar a conclusão pretendida. Quanto à veracidade destas premissas, ela cabe ao cientista e não ao argumentador lógico.
Sobre as “verdades metafísicas”, questões como independência de mentes, o mundo que nos cerca, ou a consciência para a espécie humana, nada têm de metafísico, pois existem de fato.
Aliás, segundo o Dr. Freud, consciência (ego) é nossa instância cerebral mais superficial. Está sempre buscando satisfazer nosso id (formado por instintos, impulsos orgânicos e desejos inconscientes e regido pelo princípio do prazer, que exige satisfação imediata) sem transgredir o superego (é a censura das pulsões que a sociedade e a cultura impõem ao id).
Hoje estas instâncias vêm sendo muito estudadas pela filosofia da mente, psicologia cognitiva e neurologia. Estranho né?! Mas são todas ciências baseadas no método científico.
Sobre o que é passado ou não, depende de onde me encontro:
Caso esteja analisando partículas subatômicas, um trilionésimo de segundo atrás já será passado e se estiver analisando o Universo, 100 milhões de anos não serão um passado tão remoto. Daí, este conceito ser altamente relativo.
Sobre crenças éticas, estéticas e de valor estão largamente sendo estudadas pela sociobiologia, a qual se trata de um método científico. Valores e crenças éticas se tratam de comportamentos sociais.
A Sociobiologia se apóia em alguns conceitos que formam a base dessa ciência (não são petições de princípio ou tautologias, mas premissas calcadas no método científico).
Evolução centrada no gene: é importante para se identificar as vantagens e desvantagens evolutivas de um determinado comportamento social.
Seleção de Parentesco: é especialmente útil para o entendimento de atos altruísticos entre indivíduos aparentados.
Altruísmo recíproco: proposta por Robert Trivers é eficaz para a explicação de atos altruísticos entre indivíduos não necessariamente aparentados.
Sobre a questão dos cientistas do nazismo terem sido bons ou maus em relação ao que fizeram demais cientistas, é obvio que a atitude daqueles como a de muitos cientistas ocidentais e soviéticos (as bombas de destruição em massa) foi péssima.
Tais atitudes atentam contra demais grupos, além do nosso e, portanto, fazemos péssimo juízo delas, pois sabemos que podem nos prejudicar. Isso tudo vai contra o senso de sobrevivência das espécies e sendo uma delas assim entendemos. Isso está gravado em nossos genes: “Temos de Sobreviver”.
A respeito da ciência não se justificar pelo método científico, isto é o óbvio. Métodos são apenas formas padronizadas de se realizar uma tarefa de forma a otimizá-la e alcançarem-se os mesmos resultados.
Se o método A for superado pelo método B não há problema algum nisso. Métodos não foram feitos para se justificar nada, mas apenas como meios para se realizarem tarefas.
Sobre suposições que não podem ser provadas, são meras suposições e, portanto, não formam um corpo teórico. Como já, ad nauseam, afirmei: em ciência nada se prova (isso é trabalho da matemática); em ciência as coisas se confirmam ou se desconfirmam.
Por meio da metodologia científica, podemos validar (tornar mais próximo da verdade objetiva) ou invalidar teses (afasta-las da verdade objetiva).
Sobre a teoria da relatividade, esta não supõe a luz com velocidade constante (essa foi de doer!!!!!). A luz tem essa velocidade constante, pois esta já foi medida por Albert Michelson. A não ser que Craig esteja criticando como se estabelece um sistema métrico ou os referenciais adotados na Teoria da Relatividade...
Em suma, os argumentos do Sr. Craig são completamente desprovidos de sentido, ou seja, acusa Atkins de falácias quando ele é quem as está cometendo (quer maior petição de princípio que os deuses?).
Bem, ele apenas atacou, sem sugerir nada de concreto. Postura desonesta, que deve ser patológica em cristãos devido à alienação mental que a religião provoca.
Acredito que Craig deva ter sido aplaudido de pé pela platéia de zumbis norte-americanos, os quais, em sua maioria seguem o perfil de Hommer Simpson.
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