segunda-feira, 22 de março de 2010

Ainda a Verdade Absoluta - Parte II

A verdade, sistema e sociedade:

Antes de se discorrer sobre o que é a verdade, convém que seja feita uma digressão a fim de que se compreenda o que é sistema.

Os sistemas e a sociedade:

A teoria de sistemas estuda a organização abstrata de fenômenos, independente de sua formação e configuração presente. Investiga todos os princípios comuns a todas as entidades complexas, e modelos que podem ser utilizados para a sua descrição.

A partir desta teoria, podem ser estabelecidas as seguintes definições para sistema:

O Sistema é um conjunto de partes interagentes e interdependentes que, conjuntamente, formam um todo unitário com determinado objetivo e efetuam determinada função.

O Sistema pode ser definido como um conjunto de elementos interdependentes que interagem com objetivos comuns formando um todo, e onde cada um dos elementos componentes comporta-se, por sua vez, como um sistema cujo resultado é maior do que o resultado que as unidades poderiam ter se funcionassem independentemente. Qualquer conjunto de partes unidas entre si pode ser considerado um sistema, desde que as relações entre as partes e o comportamento do todo sejam o foco de atenção.

Sistema é um conjunto de partes coordenadas, formando um todo complexo ou unitário.

A fim de se ter uma visão sobre sistemas sociais, será adotada a perspectiva Luhmanniana. Niklas Luhmann teorizou a sociedade como um sistema autopoiético.

A Autopoiesis significa que um sistema complexo reproduz os seus elementos e suas estruturas dentro de um processo operacionalmente fechado com ajuda dos seus próprios elementos

O elemento central da teoria de Luhmann é a comunicação. Luhmann interpreta a sociedade como um sistema: isto é, ela é observada através da distinção sistema / meio.

Sendo assim, cabe inicialmente recorrer aos instrumentos da teoria geral dos sistemas, sobretudo às mudanças paradigmáticas que ocorreram nos anos 70 e 80, em função de novas descobertas nas ciências exatas e biológicas. A teoria geral dos sistemas apresenta-se hoje como teoria de sistemas autopoiéticos, auto-referenciais e operacionalmente fechados.

Um sistema autopoiético é um sistema autônomo que constantemente se auto-produz, se auto-regula, e sempre mantém interações com o meio, onde este apenas desencadeia na sociedade mudanças determinadas em sua própria estrutura, sem ser causada por agentes externos. Assim, a teoria autopoiética em um método de observação social.

De acordo com o trabalho de Armin Mathis, sistemas sociais são sistemas de comunicação e a sociedade é o sistema social mais abrangente. Um sistema é definido pela fronteira entre ele mesmo e o ambiente, separando-o de um exterior infinitamente complexo.

O interior do sistema é uma zona de redução de complexidade: a comunicação no interior do sistema opera selecionando apenas uma quantidade limitada de informação disponível no exterior. O critério pelo qual a informação é selecionada e processada se trata do sentido.

Desta forma, a interação gera realimentações que podem ser positivas ou negativas, criando assim uma auto-regulação regenerativa, que por sua vez cria novas propriedades que podem ser benéficas ou maléficas para o todo independente das partes.

As sociedades se tratam de sistemas abertos, pois sofrem interações com o ambiente onde estão inseridas. Todavia, a fim de que sistemas independentemente sejam estudados, há que se fazer um corte metodológico fechando-os a fim de reduzir sua complexidade.

Nessa perspectiva, Luhmann o amplia para todos os sistemas em que se pode observar um modo de operação específico e exclusivo, que são, em sua opinião, os sistemas sociais e os sistemas psíquicos.

As operações básicas dos sistemas sociais são comunicações e as operações básicas dos sistemas psíquicos são pensamentos.

As comunicações dos sistemas sociais se reproduzem através de comunicações, e pensamentos se reproduzem através de pensamentos.

Fora dos sistemas sociais, não há comunicação e fora dos sistemas psíquicos não há pensamento. Ambos os sistemas operam fechados, no sentido que as operações que produzem os novos elementos do sistema dependem das operações anteriores do mesmo sistema e são, ao mesmo tempo, as condições para futuras operações. Esse fechamento é a base da autonomia do sistema.

Ou seja, nenhum sistema pode atuar fora das suas fronteiras. É válido ressaltar que o conceito da autopoiesis em nenhum momento vem negar a importância do meio para o sistema, pois, lembrando, sem meio não há sistema. Autopoiesis refere-se à autonomia, o que não significa autarquia.

Portanto, sistemas autopoiéticos necessitam de outros sistemas a fim de funcionarem.

A teoria dos sistemas sociais é a teoria que tem como objeto de estudo sistemas autopoiéticos sociais. Isso faz necessário definir a operação básica através da qual o processo autopoiético separa esse sistema dentro do seu meio.

Além da sociedade, organizações e interações fazem parte dos sistemas sociais e assim têm características comuns e são comparáveis entre si. O principal fator em comum entre os sistemas sociais é o fato de que a sua operação básica é a comunicação.

A comunicação é a (única) operação genuinamente social, e ela é autopoiética porque pode "ser criada somente no contexto recursivo das outras comunicações, dentro de uma rede, cuja reprodução precisa da colaboração de cada comunicação isolada".


O sistema complexo:

Conforme expõe o trabalho de Caroline de Morais Kunzler, um sistema pode ser chamado de complexo quando contém mais possibilidades do que pode realizar num dado momento. As possibilidades são tantas que o sistema vê-se obrigado a selecionar apenas algumas delas para que possa continuar operando.

O sistema não consegue dar conta de todas elas ao mesmo tempo. Quanto maior o número de elementos no seu interior, maior o número de relações possíveis entre eles que crescem de modo exponencial.

O sistema torna-se, então, complexo quando não consegue responder imediatamente a todas as relações entre os elementos, e nem todas as suas possibilidades podem realizar-se.

Somente algumas possibilidades de relações entre elementos, por exemplo, a relação de uma comunicação com outra, ou de um pensamento com outro, são realizadas; as demais ficam potencializadas como opções no futuro.

Essas relações entre os elementos não acontecem simultaneamente, mas, ao contrário, uma após a outra, em sucessão.

E cada vez que o sistema opera acaba gerando novas possibilidades de relações, tornando-se assim ainda mais complexo, mas não mais que o seu ambiente, que é sempre mais complexo por conter um número maior de elementos.

Outra razão para isso é o fato do sistema ser capaz de fixar seus próprios limites, ao se diferenciar do ambiente, limitando as possibilidades no seu interior.

Todavia, a tendência é de que em um ambiente mais complexo o sistema também se torne mais complexo, ainda que não na mesma proporção. Sob um outro ângulo, pode-se concluir que o aumento da complexidade de um sistema estimula o aumento da complexidade de outros sistemas que o observam, quando aquele estiver na condição de entorno destes.

É importante considerar que a complexidade do sistema é uma construção sua que, em hipótese alguma, pode ser considerada um mero reflexo do ambiente, pois, se assim fosse, haveria uma dissolução dos seus limites e, com isso, a morte do próprio sistema.

Todo o ambiente apresenta para o sistema inúmeras possibilidades. De cada uma delas surgem várias outras o que dá causa a um aumento de desordem e contingência. O sistema, então, seleciona apenas algumas possibilidades que lhe fazem sentido de acordo com a função que desempenha, tornando o ambiente menos complexo para ele. Caso selecionasse todas elas, não sobreviveria. O sistema assim, deve simplificar a complexidade para conseguir se manter no ambiente.

Ao mesmo tempo em que a complexidade do ambiente diminui, a sua aumenta internamente. Isso porque o número de possibilidades dentro dele passa a ser maior, podendo, inclusive, chegar a ponto de provocar sua auto-diferenciação em subsistemas. Para dar conta da complexidade interna, o sistema se auto-diferencia.

Nessa perspectiva, Luhmann toma emprestado da teoria darwinista o conceito de evolução. Como exemplo de evolução de sistemas, não tomarei aqueles dados pela autora, mas, grosso modo, do próprio cristianismo, de uma forma muito breve:

De início esta vertente se confundia com o judaísmo. Mais tarde tornou-se uma seita dissidente do judaísmo estabelecendo seus próprios ritos.

Houve diversas vertentes cristãs até que no Concílio de Nicéia (ano de 325), Constantino tentou unificar a igreja, onde foram discutidas diversas heresias e demais questões cristológicas.

Em 1054 houve o cisma entre ocidente e oriente devido a discussões teológicas sobre a natureza do Espírito Santo separando a Igreja Católica Romana da Igreja Ortodoxa.

Em 1517, tem início a Reforma Protestante com a afixação das 95 teses na porta da igreja do Castelo de Wittemberg.

A partir da Reforma, houve a abertura para muitas outras vertentes divergentes da Igreja Católica bem como divergentes entre si, o que culminou na infinidade de cultos cristãos, que hoje conhecemos, cada qual com suas particularidades e com suas respectivas concepções de verdade.

O exemplo deixa claro que o sistema não tem uma estrutura imutável que enfrenta um ambiente complexo.

É condição para esse enfrentamento que o próprio sistema transforme-se internamente, e crie subsistemas, deixando de ser simples e tornando-se mais complexo, ou seja, evoluindo.

Cada um desses subsistemas criados dentro do sistema tem o seu próprio entorno. A diferenciação do sistema não significa, portanto, a decomposição de um todo em partes, mas da diferenciação de diferenças sistema/entorno. Não existe um agente externo que o modifica, é ele mesmo que o faz para sobreviver no ambiente.

Mas a evolução do sistema não ocorre de forma isolada, ela depende das irritações do ambiente. E, conforme a tolerância do sistema, as irritações podem levá-lo a mudar suas estruturas. Essa característica de produzir a si mesmo é chamada de autopoiese.

A evolução do sistema ocorre quando ele se auto-diferencia e ainda quando há uma passagem de um tipo de diferenciação para outro. Segundo Luhmann a segmentação, a hierarquia, centro/periferia e a função são quatro formas, pelas quais, o sistema pode diferenciar-se, sendo que, conforme evolui, passa de sistema segmentado até chegar ao sistema funcional. Assim se deu com a passagem de uma sociedade segmentada, na antiguidade, para uma sociedade funcional, na modernidade.

Dessa forma, um sistema social, ou um indivíduo, tende a interpretar o problema da contingência (algo que não é necessário nem impossível, algo então que é, era ou será assim como é, mas também poderia ser diferente), isto é, da variedade de alternativas de atuação como um grau de liberdade: liberdade de escolher entre várias alternativas de atuação.

No papel de observador de um outro indivíduo ou sistema social, o problema da contingência se coloca totalmente diferente, a liberdade de escolha do sistema se transforma para o observador desse sistema em fonte de inseguranças e surpresas.

A existência e o relacionamento das contingências dos diversos sistemas ao seu redor constitui para o sistema focal a complexidade do seu meio. Para poder enfrentar essa complexidade no seu meio, o sistema é obrigado a corresponder com a elaboração de estruturas complexas, que por sua vez, podem aumentar a contingência do sistema e assim iniciar um processo evolutivo, conforme descrito acima.

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