terça-feira, 8 de setembro de 2009

O Mistério do Sexo Parte 13

9 - A Rainha Vermelha e o Bobo da Corte:

É natural que sexo seja bom, mas bom para que? Se perguntaram os cientistas; há controvérsias.
Em 1889, o biólogo alemão August Weismann (1834-1914) notou que a função do sexo não poderia ser a de permitir a multiplicação dos organismos, pois diversas espécies reproduzem-se sem recorrer ao sexo.

Muitas espécies de plantas ‘pegam de galho’: basta enterrar um pedaço de um ramo para obter novo indivíduo.

Outros organismos, como as planárias (vermes de vida aquática), podem gerar novo organismo pela fissão do corpo. Micróbios unicelulares simplesmente dividem-se em dois, por um processo semelhante à mitose.

Muitos insetos, como os pulgões, passam parte do ano produzindo ovos que geram cópias genéticas do indivíduo que os produziu -- tal processo, chamado de ‘partenogênese’, é uma forma de reprodução assexuada bem comum entre os animais, e ocorre até em animais mais complexos, como alguns lagartos, peixes e anfíbios.

A maioria dos animais e plantas, porém, reproduz-se sexuadamente, misturando genes do pai com genes da mãe (reprodução cruzada). Para que a reprodução sexuada seja possível, machos e fêmeas (ou estruturas masculinas e femininas, nas plantas) precisam produzir gametas (células reprodutivas, masculinas ou femininas) que em geral têm apenas uma das duas cópias de cada gene que esses indivíduos possuem.

A redução do número de cromossomos (de 2n para n) na produção de gametas ocorre através de um processo celular complexo, a meiose. A fusão de um gameta masculino de um indivíduo com o gameta feminino de outro é chamado de fertilização. Durante essa fusão, os genes recebidos da mãe e do pai misturam-se em novas combinações. Isso explica por que os filhos de um mesmo casal são sempre diferentes. De maneira simplificada, pode-se dizer que sexo é reprodução cruzada mais recombinação.

Em 1971, o evolucionista inglês John Maynard Smith (1920-) notou que um indivíduo sexuado passa apenas metade do seu material genético aos filhos, enquanto um indivíduo assexuado passa todos os seus genes. Ou seja, na corrida evolutiva, onde passar os genes para a próxima geração é um dos maiores ‘objetivos’, organismos sexuados partem com desvantagem de quase 50%, que ficou conhecida como “o custo da meiose”. Sexo, portanto, parece ser um luxo que não deveria existir.

Como a existência do sexo é inegável, os biólogos têm quebrado a cabeça para descobrir qual o grande benefício que ele traz para os seres vivos. Maynard-Smith argumentou que o sexo só poderia ter evoluído se esse benefício misterioso pelo menos contrabalançasse o grande custo da meiose. Mas, afinal, que benefício é esse?

Desde Weismann, vários cientistas tentam identificar essa vantagem, capaz de justificar a origem e a manutenção da reprodução sexuada (ver ‘O sexo serve para quê?’). Algumas das hipóteses lançadas apontam para benefícios genéticos e outras para vantagens ecológicas. Este artigo apresenta em detalhes uma das propostas, a teoria sosigônica (ou ‘teoria da Rainha Vermelha’, como é também conhecida), que vem recebendo muita atenção da comunidade científica nos últimos tempos.

9. 1 - A rainha vermelha:
O primeiro modelo, cujo nome faz alusão à Rainha Vermelha, personagem do livro Alice através do espelho, de Lewis Carroll (1832-1898), foi sugerido pelo biólogo norte-americano Leigh Van Valen, em 1973. Segundo esse modelo, as interações entre os seres vivos seriam os principais condutores da mudança evolutiva. É o que ocorre, por exemplo, quando um novo tipo de defesa surge em uma população de presas.

Essa audaciosa teoria sobre a origem e a manutenção do sexo foi proposta pelo evolucionista inglês William D. Hamilton (1936-), da Universidade de Oxford, em 1980. Segundo ele, os parasitas estão em toda parte e procuram sempre, por sua natureza, explorar seus hospedeiros. Além disso, apresentam virulência específica, afetando apenas determinados genótipos dos hospedeiros, enquanto estes têm genes que conferem resistência ao ataque.

Com isso, o surgimento de todo e qualquer tipo de contra-ataque por parte dos predadores passa a ser algo extremamente vantajoso.

Não há soluções propriamente definitivas para essas ‘corridas armamentistas’, pois a evolução de novos tipos de defesa (ou de ataque) produz repercussões que vão e voltam. Assim, a exemplo do que ocorre no livro de Carroll, as espécies estão sempre ‘correndo para permanecer no mesmo lugar’, isto é, as linhagens mais bem-sucedidas simplesmente persistem, enquanto as outras vão desaparecendo.

Como o tempo de geração dos parasitas é muitas vezes menor que o dos hospedeiros e por isso suas taxas de evolução são muitas vezes maiores, a única saída para os hospedeiros é produzir filhos com genótipos diferentes dos demais genótipos da população através da reprodução sexuada.

O mundo em que esse modelo está inserido ficou conhecido como o mundo da Rainha Vermelha, nome dado pelo paleontólogo norte-americano Leigh Van Valen, da Universidade de Chicago, em referência a uma passagem da fábula Alice no país dos espelhos, do inglês Lewis Carroll (1832-1898).

Nessa passagem, Alice foge do exército (de cartas de baralho) da Rainha Vermelha, mas não consegue se distanciar de seus perseguidores. Nesse momento, é advertida pela Rainha Vermelha: “Aqui, veja, você precisa correr o máximo possível, para se manter no mesmo lugar.”

Alice só seria pega se parasse de correr. Segundo Hamilton, uma ‘corrida armamentista’ entre hospedeiros e parasitas ocorre desde que a vida surgiu na Terra.

Os parasitas estão sempre quebrando as barreiras defensivas impostas pelo genótipo dos hospedeiros, enquanto estes, com a ajuda do sexo, criam continuamente novas defesas.

Na ausência do sexo, os hospedeiros permaneceriam em essência os mesmos, enquanto os parasitas iriam acumulando adaptações que lhes permitiriam quebrar todos os sistemas de defesa dos primeiros. Cedo ou tarde, os hospedeiros seriam virtualmente devorados de dentro para fora. Só resta a eles, para fugir do batalhão de parasitas que os perseguem, continuar correndo.

O ciclo coevolutivo de parasitas e hospedeiros reflete essa perseguição eterna. Indivíduos com genótipo resistente aos parasitas reproduzem-se com sucesso, o que aumenta a freqüência, na espécie, desses alelos (variações de um mesmo gene). Mas alguns raros parasitas conseguem quebrar essa defesa e começam a se reproduzir com sucesso, espalhando o novo gene da virulência.

Com o tempo, o antigo genótipo do hospedeiro deixa de ser o mais resistente, passa a ter sua freqüência reduzida, e um novo genótipo raro torna-se a melhor defesa, espalhando-se na população.

Em outras palavras, a seleção natural, no modelo de Hamilton, depende da freqüência.

Genótipos comuns são selecionados negativamente (sua freqüência diminui) e genótipos raros são selecionados a favor (sua freqüência aumenta).Um efeito interessante desse tipo de seleção é que a variabilidade genética não é perdida nunca.

É como se soluções genéticas obsoletas em dado momento fossem temporariamente colocadas de lado para serem eventualmente recicladas no futuro. Se isso é correto, a ‘teoria da Rainha Vermelha’ ajudaria a explicar a diversidade de alelos e, em conseqüência, a existência de diferentes formas de proteínas, que tanto intrigaram os geneticistas a algumas décadas.

Muitas das suposições decorrentes do modelo de Hamilton foram confirmadas recentemente. Estudos empíricos demonstraram que populações naturais têm uma substancial variação genética para resistência às doenças e à virulência dos parasitas.

Além disso, mostrou-se que há forte associação entre genótipos, como um sistema ‘chave-fechadura’: parasitas com a ‘chave’ certa atacam o hospedeiro e reproduzem-se com sucesso, enquanto parasitas com a ‘chave’ errada penam para se perpetuar.

Muitos estudos indicam, também, que espécies com reprodução assexuada são mais suscetíveis a ataques de parasitas que espécies aparentadas com reprodução sexuada. Isso também é verdade para variedades de plantas. Qualquer agricultor sabe que monoculturas de cereais geneticamente uniformes são altamente propensas a serem devastadas por pragas.

A teoria da Rainha Vermelha prediz diversos padrões ecológicos que têm sido verificados na natureza. Segundo a teoria, por exemplo, quanto maior a diferença entre o tempo de vida do hospedeiro e o tempo de vida do parasita, maior será a pressão de parasitismo.

Assim, o sexo deve ser mais freqüente em organismos grandes e de alta longevidade, o que foi confirmado em uma grande revisão da literatura científica.Em outro exemplo, prevê-se que organismos com reprodução assexuadada vêm ser mais comuns em ambientes instáveis, onde as relações parasita-hospedeiro são quebradas constantemente.

De fato, tais organismos são mais freqüentes em campos do que nas florestas maduras, em países temperados e em topos de montanhas, condições de maior instabilidade ambiental.

Além disso, organismos de água doce, submetidos a grandes variações de temperatura e de teores de nutrientes, tendem a se reproduzir mais assexuadamente que organismos de ambientes marinhos, mais constantes.As mesmas idéias de coevolução entre parasitas e hospedeiros que ajudam a entender a evolução do sexo podem ser úteis para explicar as diferenças fisiológicas, morfológicas e comportamentais entre machos e fêmeas.


9.2 - O bobo da corte:
O modelo Bobo da Corte [Court Jester, no original em inglês], proposto pelo paleontólogo norte-americano Anthony D. Barnosky, em 2001, ressalta a importância evolutiva das perturbações ambientais promovidas por fatores abióticos, como mudanças climáticas e soerguimento de montanhas.

Mais especificamente, a história das linhagens dependeria, em boa medida, de suas respostas às mudanças imprevisíveis que ocorrem no ambiente físico, lembrando o comportamento caprichoso dos bobos da corte dos tempos medievais.

Cabe ressaltar, porém, que não há ‘corridas armamentistas’ entre linhagens de seres vivos e elementos não-vivos do ambiente, pois estes últimos são evolutivamente inertes – fótons de luz e moléculas de água, por exemplo, não mudam, ao longo do tempo, em função de serem ou não consumidos por seres vivos.

Perturbações no ambiente físico podem exigir a evolução de novos níveis de tolerância, mas isso não desencadeia uma sucessão de ajustes mútuos entre seres vivos e elementos não-vivos.

No entanto, a reprodução assexuada é mais comum em organismos de água doce, onde os teores de nutrientes e a temperatura flutuam bastante, e a reprodução sexuada predomina em ambientes marinhos, mais constantes. Além disso, organismos assexuados são comuns no início da sucessão ecológica, em países temperados e em topos de montanha, onde espera-se maior instabilidade.


9.3 - O responsável; A rainha vermelha ou o bobo da corte:

E quem seria, portanto, o grande responsável por moldar a diversidade das espécies, a Rainha Vermelha ou o Bobo da Corte?

Na opinião de Benton, os dois modelos não são necessariamente excludentes. Eles apenas parecem operar em escalas (espaciais e temporais) distintas.

Assim, enquanto competição, predação e outros fatores bióticos moldariam a evolução no interior de ecossistemas locais por períodos relativamente curtos de tempo, fatores abióticos, como mudanças climáticas e eventos tectônicos ou oceânicos, poderiam moldar padrões de evolução em larga escala e por milhares ou milhões de anos.


Como afirma o autor, resta saber se essa visão pluralista do processo evolutivo vai facilitar o diálogo entre as diferentes escolas de pensamento envolvidas com o estudo da diversidade biológica.

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